O flebotomíneo conhecido popularmente como mosquito palha é o principal vetor de transmissão da leishmaniose Arte sobre fotos / Wikimedia Commons CC / Fundo: Kateryna Kon/123RF |
Migração foi um dos fatores que levaram à nova distribuição geográfica de doença potencialmente fatal no País
Doença grave causada por um parasita transmitido por insetos, a leishmaniose visceral se espalhou no Brasil para regiões onde antes não havia incidência da doença – ela estava concentrada em estados do nordeste e agora tem avançado para o centro-oeste, sul e sudeste do País. Entre as principais hipóteses para explicar a mudança no padrão de transmissão da doença, potencialmente fatal, estão a migração de pessoas do campo para as cidades, o desmatamento e a construção de grandes obras com impacto ambiental. Tudo isso pode ter alterado o meio onde vivem os insetos flebotomíneos vetores da doença, como o mosquito palha, conta o professor José Ângelo Lauletta Lindoso, do Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP).
Dentre as causas dessa reconfiguração geográfica, Lindoso chama a atenção para o fator migratório. Nos deslocamentos de um lugar para o outro, as famílias levam consigo seus animais de estimação. “O cão infectado, mesmo sem a manifestação da doença, é o principal reservatório do parasita no meio urbano”, explica. Há estudos indicando que, onde há cachorros contaminados, existe maior número de humanos que são infectados por leishmania.
Principais hipóteses para a mudança no padrão de transmissão da leishmaniose no Brasil:
- migração de pessoas do campo para as cidades
- desmatamento
- construção de grandes obras com impacto ambiental
José Ângelo Lauletta Lindoso, médico infectologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas e pesquisador do Instituto de Medicina Tropical (IMT) da USP - Foto: Almir Ferreira |
Em artigo publicado na Plos Neglected Tropical Diseases “How visceral leishmaniasis spread through central-suthern Brazil“, Vanete Thomaz Soccol, da Universidade Federal do Paraná, descreve as possíveis rotas de dispersão da epidemia. De 1920 a 1980, a doença estava restrita às áreas rurais, e mais recentemente, passou a ser notificada nas zonas urbanas. Em 2012, por exemplo, o parasita já tinha sido relatado na região oeste do Paraná (Foz do Iguaçu), longe das regiões epidêmicas.
Ainda segundo o artigo, existem cerca de 1,69 bilhão de pessoas vivendo em áreas de risco de transmissão em todo o mundo, sendo que 90% destes casos ocorreram em seis países, incluindo o Brasil. “Compreender a dispersão da leishmaniose é importante para o desenvolvimento de medidas de controle, que incluem políticas conjuntas com países vizinhos do Brasil”, destaca o texto.
A leishimaniose visceral é causada pela Leishmania infantum e, se não tratada a tempo, pode levar à morte em até 90% dos casos. Afeta os órgãos onde há maior concentração de células de defesa como linfócitos e macrófagos: a medula óssea, o fígado, o baço e os linfonodos. As manifestações da doença variam de sintomas como febre, perda de peso e anemia até ocorrências mais graves, como aumento de fígado e baço.
Leishmania infantum - Imagem: Filipe Dantas-Torres/ Wikimedia Commons CC |
Segundo o pesquisador, existem várias espécies de leishmania no mundo. Em seres humanos, por exemplo, a doença é causada por mais de 20 espécies diferentes, sendo que oito delas ocorrem no Brasil. Cada espécie pode exigir diagnóstico e tratamento diferenciados, o que tem sido um dos maiores desafios dos pesquisadores que estudam o protozoário.
No Instituto de Medicina Tropical de São Paulo (IMT) da USP, o médico coordena pesquisas na área de biologia molecular envolvendo doenças infecciosas e parasitárias. Um dos projetos em andamento estuda infecções simultâneas por leishmania e HIV, vírus que enfraquece o sistema imunológico e pode levar à aids. Neste trabalho, se pretende avaliar a ocorrência destas coinfecções em regiões endêmicas e fazer análise do perfil genético da Leishmania infantum.
Segundo o pesquisador, o estudo considera a interseção das áreas de transmissão do parasita e do vírus, uma vez que, ao contrário da leishmaniose, que migrou dos centros rurais para os urbanos, a infecção por HIV teve início nos centros urbanos para depois avançar para as regiões menores e do interior do Brasil. A pesquisa foi feita com pacientes internados no Instituto Emílio Ribas, provenientes de áreas de transmissão e também com pacientes de outros estados. Nas regiões onde a leishmaniose e a aids se entrecruzam, foram observados aumento progressivo de coinfecções e agravamento do quadro dos pacientes, resultando em mais desfechos com morte ou retorno da doença.
Vacina para leishmaniose canina
Foto: Antônio Silva / Ag. Pará via Fotos Públicas |
Por ser tratar de um problema grave de saúde pública, e o sacrifício de cães soropositivos para leishmaniose ter se mostrado uma estratégia pouco efetiva de combate da à leishmaniose visceral, em 2018 começou a tramitar no Congresso um Projeto de Lei que torna obrigatória a vacina contra a leishmaniose visceral canina. No entanto, Lindoso faz um alerta: ainda não há estudos científicos que mostrem evidências de que a vacinação seja suficientemente protetora. Lindoso, que é consultor do Ministério da Saúde, sugere que, enquanto não se resolve essa questão, é possível usar coleiras impregnadas com inseticidas para minimizar a transmissão da doença.
Se aprovada, a vacina deverá ser gratuita e fará parte de uma política nacional instituída para prevenir e controlar a doença. O projeto tramita em caráter conclusivo, quer dizer, não precisa ser votado pelo Plenário, apenas pelas comissões designadas para analisá-lo: a de Finanças e Tributação; a de Constituição e Justiça; e a de Cidadania.
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