terça-feira, 11 de agosto de 2020

Leptospirose: doença e prevenção.


Doença

A leptospirose é uma doença infecciosa transmitida ao homem pela urina de roedores, principalmente por ocasião das enchentes. A doença é causada por uma bactéria chamada Leptospira, presente na urina de ratos e outros animais (bois, porcos, cavalos, cabras, ovelhas e cães também podem adoecer e, eventualmente, transmitir a leptospirose ao homem).


Leptospira

Trata-se de uma zoonose de grande importância social e econômica, por apresentar elevada incidência em determinadas áreas, alto custo hospitalar e perdas de dias de trabalho, como também por sua letalidade, que pode chegar a 40%, nos casos mais graves.

Sua ocorrência está relacionada às precárias condições de infraestrutura sanitária e alta infestação de roedores infectados. As inundações propiciam a disseminação e a persistência do agente causal no ambiente, facilitando a ocorrência de surtos.


Histórico

  • A leptospirose é conhecida desde Hipócrates, quem primeiro descreveu a icterícia infecciosa; 
  • Em 1800 no Cairo (Egito), a doença foi determinada e diferenciada de outras por Larrey, médico militar francês, que observou no exército napoleônico dois casos de icterícia infecciosa;
  • Em 1886 Weil descreveu uma doença caracterizada por icterícia, esplenomegalia (aumento do baço) e nefrite (inflamação nos rins) após observar quatro casos clínicos em pessoas em Heidelberg (Alemanha); 
  • Em 1915 o agente etiológico da leptospirose foi isolado pela primeira vez no Japão; 
  • Em 1917 propôs-se a criação do gênero Leptospira, pelo fato da bactéria possuir forma espiralada;
  • No Brasil, infecções por Spirochaeta icterohaemorrhagiae foram descritas pela primeira vez em 1917, quando se constatou o microorganismo em ratos;
  • Em 1940 foi confirmada a presença do agente causador da leptospirose em onze cães na cidade do Rio de Janeiro.


Transmissão

A Leptospirose é transmitida, em geral, durante as enchentes.  A urina dos ratos, presente nos esgotos e bueiros, mistura-se à enxurrada e à lama. Qualquer pessoa que tiver contato com a água ou lama pode infectar-se. As leptospiras penetram no corpo pela pele, principalmente por arranhões ou ferimentos, e também pela pele íntegra, imersa por longos períodos na água ou lama contaminada. O contato com esgotos, lagoas, rios e terrenos baldios também pode propiciar a infecção.



Veterinários e tratadores de animais podem adquirir a doença pelo contato com a urina, sangue, tecidos e órgãos de animais infectados.


Reservatórios

Os animais sinantrópicos, domésticos e selvagens, são os reservatórios essenciais para a persistência dos focos da infecção. Os seres humanos são apenas hospedeiros acidentais e terminais dentro da cadeia de transmissão. O principal reservatório é constituído pelos roedores sinantrópicos, das espécies Rattus norvegicus (ratazana ou rato de esgoto), Rattus rattus (rato de telhado ou rato preto) e Mus musculus (camundongo ou catita). 


Ratazana (Rattus norvegicus)

Rato Preto (Rattus rattus)


Camundongo (Mus musculus)

Ao se infectarem, não desenvolvem a doença e tornam-se portadores, albergando a leptospira nos rins, eliminando-a viva no meio ambiente e contaminando, dessa forma, água, solo e alimentos. O R. norvegicus é o principal portador do sorovar Icterohaemorraghiae, um dos mais patogênicos para o homem. Outros reservatórios de importância são: caninos, suínos, bovinos, equinos, ovinos e caprinos.


Sintomas

A leptospirose é uma doença infecciosa febril aguda que resulta da exposição direta ou indireta a urina de animais (principalmente ratos) infectados pela bactéria Leptospira.

O período de incubação, ou seja, tempo que a pessoa leva para manifestar os sintomas desde a infecção da doença, pode variar de 1 a 30 dias e normalmente ocorre entre 7 a 14 dias após a exposição a situações de risco.

A doença apresenta manifestações clínicas variáreis, desde formas assintomáticas até quadros clínicos graves associados a manifestações fulminantes:

  • Fase precoce: febre, dor de cabeça, dor muscular (principalmente nas panturrilhas), falta de apetite, náuseas, vômitos, diarreia, dor nas articulações, vermelhidão ou hemorragias conjuntivais, fotofobia, dor ocular, tosse; mais raramente podem manifestar exantema, aumento do fígado e/ou baço, aumento de linfonodos e sufusão conjuntival; 
  • Fase tardia: Síndrome de Weil, caracterizada por icterícia, insuficiência renal e hemorragias, mais comumente pulmonar; síndrome de hemorragia pulmonar (lesão pulmonar aguda e sangramento maciço); comprometimento pulmonar  (tosse seca, dispneia, expectoração hemoptoica); síndrome da angustia respiratória aguda – SARA; manifestações hemorrágicas – pulmonar, pele, mucosas, órgãos e sistema nervoso central.  Os casos com comprometimento pulmonar podem evoluir para insuficiência respiratória aguda, hemorragia maciça ou síndrome de angustia respiratória do adulto e, muitas vezes, esse quadro precede o quadro de icterícia e insuficiência renal. Nesses casos, pode ocorrer óbito nas primeiras 24 horas de internação.


Diagnóstico

O método laboratorial de escolha depende da fase evolutiva em que se encontra o paciente. Na fase precoce, as leptospiras podem ser visualizadas no sangue por meio de exame direto, de cultura em meios apropriados, inoculação em animais de laboratório ou detecção do DNA do microrganismo, pela técnica da reação em cadeia da polimerase (PCR). A cultura somente se finaliza (positiva ou negativa) após algumas semanas, o que garante apenas um diagnóstico retrospectivo.

Na fase tardia, as leptospiras podem ser encontradas na urina, cultivadas ou inoculadas. Pelas dificuldades inerentes à realização dos exames anteriormente citados, os métodos sorológicos são consagradamente eleitos para o diagnóstico da leptospirose. Os mais utilizados no país são o teste ELISA-IgM e a microaglutinação (MAT). Esses exames devem ser realizados pelos Lacens, pertencentes à Rede Nacional de Laboratórios de Saúde Pública.

Considerando-se que a leptospirose tem um amplo espectro clínico, os principais diagnósticos diferenciais são:

Fase precoce – dengue, influenza (síndrome gripal), malária, riquetsioses, doença de Chagas aguda, toxoplasmose, febre tifóide, entre outras doenças.

Fase tardia – hepatites virais agudas, hantavirose, febre amarela, malária grave, dengue hemorrágica, febre tifóide, endocardite, riquetsioses, doença de Chagas aguda, pneumonias, pielonefrite aguda, apendicite aguda, sepse, meningites, colangite, colecistite aguda, coledocolitíase, esteatose aguda da gravidez, síndrome hepatorrenal, síndrome hemolíticourêmica, outras vasculites, incluindo lúpus eritematoso sistêmico, dentre outras.


Tratamento

Os casos leves de leptospirose são tratados em ambulatório, mas os casos graves precisam ser internados. A automedicação não é indicada, pois pode agravar a doença. Ao suspeitar da doença, a recomendação é procurar um médico e relatar o contato com exposição de risco.

A antibioticoterapia está indicada em qualquer período da doença, mas sua eficácia costuma ser maior na 1ª semana do início dos sintomas. As medidas terapêuticas de suporte devem ser iniciadas precocemente com o objetivo de evitar complicações, principalmente as renais, e óbito.


Vacinação

Não existe uma vacina para uso humano contra a leptospirose no Brasil.

A vacinação de animais domésticos e de produção (cães, bovinos e suínos) evita o adoecimento e transmissão da doença por aqueles sorovares que a vacina protege. Está disponível em serviços particulares, ficando a critério do proprietário vacinar ou não o animal, sendo válida como estratégia de proteção individual.


Prevenção

A prevenção da Leptospirose ocorre por meio de medidas que evitem o contato de pessoas e animais com locais contaminados e o acesso de roedores ao ambiente de convívio, como:

  • É importante evitar o contato com água ou lama de enchentes e impedir que crianças nadem ou brinquem nessas águas. Pessoas que trabalham na limpeza de lama, entulhos e desentupimento de esgoto devem usar botas e luvas de borracha (ou sacos plásticos duplos amarrados nas mãos e nos pés);
  • Limpeza de terrenos – Manter cultivos ou jardins sem amontoados de vegetação e que permitam fácil acesso a inspeção;
  • Remoção de entulho – Remover quaisquer amontoados de restos de construção, de lixo de varreduras ou queimar galhos e troncos;
  • Arranjo de materiais – Madeiras, tijolos, telhas não devem ficar encostados a muros ou paredes, podendo ser inspecionados por todos os lados;
  • Terrenos baldios – Nunca jogar lixo em terrenos baldios ou em cantos de terrenos.  Removê-los ou enterrá-los em valas recobrindo com terra;
  • Acondicionamento de lixo – Juntar os restos de cozinha em vasilhames adequados, de preferência em sacos plásticos;
  • Entelamento – Fechar quaisquer aberturas de aeração, entradas de condutores de eletricidade ou vãos de condutores de qualquer natureza, com telas metálicas com malhas de 6 milímetros removíveis;
  • Fechamento de vãos e buracos – Vãos de portas ou janelas com mais de 6 milímetros devem ser fechados com madeiras ou lâminas de metal;
  • Estocagem de alimento – Sacos ou fardos em depósitos devem ser colocados sobre estrados com 40 cm de altura e afastados das paredes e uns dos outros ;
  • Locais de refeições e de preparo de alimentos – Devem ser rigorosamente limpos diariamente antes do anoitecer;
  • Esgotos e canais efluentes – Devem ser fechados e canalizados;
  • Instalações para animais – Piso concretado e cama adequada, de fácil remoção.  Aviários com entelamento de malha de 1cm²;
  • Controle de restos alimentares – Em hospitais, cinemas, restaurantes e residências;
  • Controle de armários e depósitos – O cuidado permanente com armários e depósitos de objetos de qualquer natureza elimina os abrigos mais comuns de camundongos;
  • Acondicionamento de alimentos – Usar vasilhames de vidro ou metal;
  • Controle de garagens e sótãos – Não permitir a utilização de garagens e sótãos para acúmulo de objetos inúteis ou em desuso;
  • Educação sanitária – Sensibilizar para a mudança de hábitos e costumes;
  • Limpeza Pública – São os meios que utilizamos para manter livre de lixo e detritos qualquer área onde possa haver acúmulo dos mesmos.

Panorama geral da doença no Brasil

No Brasil, a leptospirose é uma doença endêmica, tornando-se epidêmica em períodos chuvosos, principalmente nas capitais e áreas metropolitanas, devido às enchentes associadas à aglomeração populacional de baixa renda, às condições inadequadas de saneamento e à alta infestação de roedores infectados. 

Algumas profissões facilitam o contato com as leptospiras, como trabalhadores em limpeza e desentupimento de esgotos, garis, catadores de lixo, agricultores, veterinários, tratadores de animais, pescadores, militares e bombeiros, dentre outros. Contudo, a maior parte dos casos ainda ocorre entre pessoas que habitam ou trabalham em locais com infraestrutura sanitária inadequada e expostos à urina de roedores.

Existem registros de leptospirose em todas as unidades da federação, com um maior número de casos nas regiões sul e sudeste. A doença apresenta uma letalidade média de 9%. Entre os casos confirmados, o sexo masculino com faixa etária entre 20 e 49 anos estão entre os mais atingidos, embora não exista uma predisposição de gênero ou de idade para contrair a infecção. Quanto às características do local provável de infecção (LPI), a maioria ocorre em área urbana, e em ambientes domiciliares.

Dados do Ministério da Saúde:

Casos confirmados de Leptospirose de 2007 a 2019*

Óbitos confirmados por leptospirose-2007-2019*

Casos confirmados de Leptospirose por mês de início de sintomas, 2019*

Óbitos de Leptospirose por mês de início de sintomas, 2019*

*Os dados de 2019 estão sujeitos à alteração. 


Leptospirose em animais

Nos cães, há diversos sinais clínicos, com ou sem icterícia, dependendo do sorovar (diferente variedade de uma determinada espécie de bactéria).  Na atualidade, no Brasil, nos grandes centros urbanos, os sorovares que tem sido os principais responsáveis pelos casos de leptospirose em cães são Copenhageni e Canicola.  Na forma aguda o cão pode apresentar febre, letargia, depressão, anorexia, vômito, diarreia, poliúria, polidipsia, halitose, úlceras bucais, dor abdominal e/ou lombar, mialgias, icterícia, petéquias e sufusões em mucosas e conjuntivas, hemorragias; a morte ocorre por insuficiência renal e hepática.  Nas espécies de animais de produção, a leptospirose se constitui na maioria das vezes em enfermidade reprodutiva responsável pela baixa produção de leite e carne em função da ocorrência de mastites, da infertilidade e do abortamento, nascimento de animais fracos causando enormes prejuízos aos rebanhos. Nos equinos, manifesta-se tanto como doença sistêmica quanto reprodutiva na dependência do sorovar infectante. 



No Brasil, as vacinas animais se constituem em cultivos de vários sorovares inativados que atuam preventivamente contra a doença clinica; são sorovar especificas, portanto não protegem contra a infecção por outros sorovares não constantes na formulação. O animal previamente exposto à infecção e vacinado não fica protegido de se tornar portador renal, se não tratado; constituindo-se em excretor do agente pela urina e disseminador da doença. A anti-ratização e desratização devem ser empregadas sempre que necessárias onde houver criação de animais domésticos ou de produção.



Fontes:

Ministério da Saúde

Secretaria de Estado do Espírito Santo

Cives (Centro de Informação em Saúde para Viajantes), da UFRJ

Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo

Jornal da USP

Imagens:  Wikipédia,  Wikimedia Commons, Flickr, Cecília Bastos/USP Imagem


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