Descrição da Doença
Nomes
populares: Calazar,
esplenomegalia tropical, febre dundun ou doença de cachorro.
O que é: A leishmaniose visceral (LV) era, primariamente, uma zoonose
caracterizada como doença de caráter eminentemente rural. Mais recentemente,
vem se expandindo para áreas urbanas de médio e grande porte e se tornou
crescente problema de saúde pública no país e em outras áreas do continente
americano, sendo uma endemia em franca expansão geográfica. É uma doença
sistêmica, caracterizada por febre de longa duração, perda de peso, astenia (ausência
ou diminuição de força física), adinamia (prostração) e anemia, dentre outras
manifestações. Quando não tratada, pode evoluir para óbito em mais de 90% dos
casos.
Distribuição no Brasil e no
mundo:
É endêmica em 76 países e, no continente americano, está descrita em
pelo menos 12. Dos casos registrados na América Latina, 90% ocorrem no Brasil.
Em 1913 é descrito o primeiro caso em necropsia de paciente oriundo
de Boa Esperança, Mato Grosso. Em 1934, 41 casos foram identificados em lâminas
de viscerotomias praticadas post-mortem, em indivíduos oriundos das Regiões
Norte e Nordeste, com suspeita de febre amarela.
A doença, desde então, vem sendo descrita em vários municípios
brasileiros, apresentando mudanças importantes no padrão de transmissão, inicialmente
predominando em ambientes silvestres e rurais e mais recentemente em centros
urbanos.
Os dados
epidemiológicos dos últimos dez anos revelam a periurbanização e a urbanização
da leishmaniose visceral, destacando-se os surtos ocorridos no Rio de Janeiro
(RJ), Belo Horizonte (MG), Araçatuba (SP), Santarém (PA), Corumbá (MS),
Teresina (PI), Natal (RN), São Luís (MA), Fortaleza (CE), Camaçari (BA) e mais
recentemente as epidemias ocorridas nos municípios de Três Lagoas (MS), Campo
Grande (MS) e Palmas(TO).
Em média, cerca de 3.500 casos são registrados anualmente e o
coeficiente de incidência é de 2,0 casos/100.000 habitantes. Nos últimos anos,
a letalidade vem aumentando gradativamente, passando de 3,1% em 2000 para 7,1%
em 2013.
Transmissão
Agente etiológico: A Leishmaniose Visceral (LV) é causada por um protozoário da espécie
Leishmania chagasi. O ciclo evolutivo apresenta duas formas: amastigota, que é
obrigatoriamente parasita intracelular em mamíferos e promastigota, presente no
tubo digestivo do inseto transmissor.
Reservatórios: Na área urbana, o cão
(Canis familiaris) é a principal fonte
de infecção. A *enzootia canina tem precedido a ocorrência de casos humanos e a
infecção em cães tem sido mais prevalente do que no homem. No ambiente
silvestre, os reservatórios são as raposas (Dusicyon vetulus e Cerdocyon thous) e os marsupiais (Didelphis albiventris). No Brasil, as raposas foram
encontradas infectadas nas regiões Nordeste, Sudeste e Amazônica. Os marsupiais
didelfideos foram encontrados infectados no Brasil e na Colômbia.
*enzootia = doença que, em determinadas regiões, afeta constantemente
os animais que nelas vivem.
Vetores:
Os vetores da
leishmaniose visceral são insetos denominados flebotomíneos, conhecidos popularmente
como mosquito palha, tatuquiras, birigui, entre outros. No Brasil, duas
espécies, até o momento, estão relacionadas com a transmissão da doença Lutzomyia longipalpis e Lutzomyia cruzi.
A primeira espécie é considerada a principal espécie transmissora da L. (L.) chagasi no Brasil e,
recentemente, L. cruzi foi
incriminada como vetora no Estado de Mato Grosso do Sul. No Brasil, a
distribuição geográfica de L. longipalpis
é ampla e parece estar em expansão. Esta espécie é encontrada em quatro das
cinco regiões geográficas: Nordeste, Norte, Sudeste e Centro-Oeste.
Há indício de que o
período de maior transmissão da LV, ocorra durante e logo após a estação
chuvosa, quando há um aumento da densidade populacional do inseto.
Modo de Transmissão:
No Brasil, a forma de
transmissão é através da picada dos vetores - L. longipalpis ou L. cruzi
– infectados pela Leishmania (L.) chagasi.
Alguns autores
admitem a hipótese da transmissão entre a população canina através da ingestão
de carrapatos infectados e mesmo através de mordeduras, cópula, ingestão de
vísceras contaminadas, porém não existem evidências sobre a importância
epidemiológica destes mecanismos de transmissão para humanos ou na manutenção
da enzootia.
Não ocorre
transmissão direta da LV de pessoa a pessoa.
A transmissão ocorre
enquanto houver o parasitismo na pele ou no sangue periférico do hospedeiro.
Período de Incubação:
O período de
incubação é bastante variável tanto para o homem como para o cão:
• No homem: 10 dias a
24 meses, com média entre 2 a 6 meses.
• No cão: bastante
variável, de 3 meses a vários anos com média de 3 a 7 meses.
Sintomas
Período inicial – esta fase da
doença, também chamada de “aguda” por alguns autores, caracteriza o início da sintomatologia, que pode variar de paciente para
paciente, mas na maioria dos casos inclui febre com duração inferior a quatro
semanas, palidez cutâneo-mucosa e hepatoesplenomegalia (aumento do fígado e
baço).
Em área endêmica, uma pequena proporção de indivíduos,
geralmente crianças, pode apresentar quadro clínico discreto, de curta duração, aproximadamente 15
dias, que frequentemente evolui para cura espontânea (forma oligossintomática).
A combinação de manifestações clínicas e alterações laboratoriais, que melhor
parece caracterizar a forma oligossintomática, é febre, hepatomegalia, hiperglobulinemia e velocidade de hemossedimentação alta.
Período de estado – caracteriza-se por
febre irregular, geralmente associada a emagrecimento progressivo, palidez cutâneo-mucosa e aumento da
hepatoesplenomegalia (aumento do fígado e baço). Apresenta um quadro clínico
arrastado, geralmente com mais de dois meses de evolução, na maioria das vezes
associado a comprometimento do estado geral.
Período final – caso não seja feito
o diagnóstico e tratamento, a doença evolui progressivamente para o período
final, com febre contínua e comprometimento mais intenso do estado geral.
Instala-se a desnutrição (cabelos quebradiços, cílios alongados e pele seca) e
edema dos membros inferiores, que pode evoluir para anasarca (inchaço por todo
o corpo). Outras manifestações importantes incluem hemorragias (epistaxe, gengivorragia
e petéquias), icterícia e ascite (barriga d’água). Nesses pacientes, o óbito
geralmente é determinado por infecções bacterianas e/ou sangramentos.
Diagnóstico
Clínico (principais
sintomas): Os sintomas mais
frequentes são febre e aumento do volume do fígado e do baço, emagrecimento,
complicações cardíacas e circulatórias, desânimo, prostração, apatia e palidez.
Pode haver tosse, diarreia, respiração acelerada, hemorragias e sinais de
infecções associadas. Quando não tratada, a doença evolui podendo levar à morte
até 90% dos doentes.
Laboratorial (exames
realizados): O diagnóstico de certeza
é realizado pelo exame parasitológico por meio de aspirado de medula óssea.
Podem ser realizados ainda exames sorológicos como a imunofluorescência e teste
rápido. Exames inespecíficos também são importantes devido às alterações que
ocorrem nas células sanguíneas e no metabolismo das proteínas, uma vez que
orientam o processo de cura do paciente. São eles: hemograma e dosagem de
proteínas.
Tratamento
É feito com uso de medicamentos específicos, repouso e uma boa
alimentação. A
Leishmaniose Visceral (LV) tem tratamento gratuito, e está disponível na rede
de serviços do Sistema Único de Saúde. É importante reforçar
que quanto antes o doente procurar orientação médica e tratamento, maior a
possibilidade de recuperação e cura.
Prevenção
As medidas preventivas
visam a redução do contato homem-vetor, podendo ser realizadas medidas de
proteção individual, dirigidas ao vetor e à população canina, tais como: uso de
mosquiteiros com malha fina, telagem de portas e janelas, uso de repelentes,
manejo ambiental, através da limpeza de quintais, terrenos e praças, eliminação
de fontes de umidade, não-permanência de animais domésticos dentro de casa,
eliminação e destino adequado de resíduos sólidos orgânicos, entre outras
medidas de higiene e conservação ambiental que evitam a proliferação do inseto
vetor.
LV no Cão
A doença no cão é de
evolução lenta e início insidioso. A leishmaniose visceral canina é uma doença
sistêmica severa cujas manifestações clínicas estão intrinsecamente dependentes
do tipo de resposta imunológica expressa pelo animal infectado. O quadro clínico
dos cães infectados apresenta um espectro de características clínicas que varia
do aparente estado sadio a um severo estágio final. Inicialmente, os parasitos
estão presentes no local da picada infectiva. Posteriormente, ocorre a infecção
de vísceras e eventualmente tornam-se distribuídos através da derme. A alopecia
causada pela infecção expõe grandes áreas da pele extensamente parasitada.
Classicamente a
leishmaniose visceral canina (LVC) apresenta lesões cutâneas, principalmente
descamação e eczema, em particular no espelho nasal e orelha, pequenas úlceras
rasas, localizadas mais frequentemente ao nível das orelhas, focinho, cauda e
articulações e pêlo opaco. Nas fases mais adiantadas da doença, observa-se, com
grande frequência, onicogrifose (aumento das unhas), esplenomegalia
(crescimento abdominal), linfoadenopatia (glândulas inchadas), alopecia (queda
de pelos), dermatites, úlceras de pele, ceratoconjuntivite, coriza, apatia,
diarréia, hemorragia intestinal, edema de patas e vômito, além da hiperqueratose
(endurecimento da pele). Na fase final da infecção, ocorre em geral a paresia
das patas posteriores, caquexia, inanição e morte. Entretanto, cães infectados
podem permanecer sem sinais clínicos por um longo período de tempo.
A classificação
segundo os sinais clínicos apresentados nesses animais pode ser verificada
conforme demonstrado a seguir:
- Cães assintomáticos: ausência de sinais clínicos sugestivos da infecção por Leishmania.
- Cães oligossintomáticos: presença de adenopatia linfóide, pequena perda de peso e pêlo opaco.
- Cães sintomáticos: todos ou alguns sinais mais comuns da doença como as alterações cutâneas (alopecia, eczema furfuráceo, úlceras, hiperqueratose), onicogrifose, emagrecimento, ceratoconjuntivite e paresia dos membros posteriores.
Cão com LV, apresentando apatia, alopecia e lesões no corpo. |
Cão com onicogrifose (crescimento de unha) |
Cão com lesões de face e de orelha |
Cão apresentando emagrecimento e apatia. |
Cão com emagrecimento, ceratoconjuntivite, lesões de face e orelha. |
O diagnóstico clínico
da LVC é difícil de ser determinado devido a grande porcentagem de cães
assintomáticos ou oligossintomáticos existentes. A doença apresenta semelhança
com outras enfermidades infecto-contagiosas que acometem os cães, permitindo
que o diagnóstico clínico seja possível quando o animal apresenta sinais
clínicos comuns à doença, como descrito anteriormente, ou quando o animal se
originar de regiões ou áreas de transmissão estabelecida. No entanto, em áreas
cujo padrão socioeconômico é baixo, outros fatores podem estar associados
dificultando o diagnóstico clínico, especialmente as dermatoses e a
desnutrição, mascarando ou modificando o quadro clínico da leishmaniose
visceral canina.
Tratamento em cães:
O tratamento da Leishmaniose Visceral Canina (LVC) traz riscos para
a Saúde Pública por contribuir com a disseminação da doença. Os cães não são
curados parasitologicamente, permanecendo como reservatórios do parasito, além
de haver o risco de desenvolvimento e disseminação de cepas de parasitos
resistentes às poucas medicações disponíveis para o tratamento da leishmaniose
visceral humana.
Os medicamentos utilizados atualmente para tratar a LV não eliminam
por completo o parasito nas pessoas e nos cães, no entanto, no Brasil o homem
não tem importância como reservatório, ao contrário do cão que é o principal reservatório
do parasito em área urbana. Portanto, nos cães, o tratamento pode até resultar
no desaparecimento dos sinais clínicos, porém esses animais ainda continuarão
como fontes de infecção para o vetor, e, portanto, um risco para saúde da
população humana e canina.
A recomendação para cães infectados com a Leishmania infantum chagasi é a eutanásia, que deve ser realizada
de forma integrada com as demais ações recomendadas pelo Ministério da Saúde
(MS). Vale ressaltar que essa medida é indicada como forma de controle por meio
de inquéritos censitários apenas para municípios com transmissão moderada e
intensa.
- Parecer da Advocacia Geral da União com orientações em caso de descumprimento da Portaria GM/MS 1.426, de 11 de julho de 2008.
- Leishmaniose Visceral: Está em vigor a Portaria nº 1.426/2008 proibindo o tratamento canino da LV
- Portaria interministerial no. 1426 de 11 de julho de 2008
Existem outras ferramentas preventivas que merecem ser melhor
avaliadas do ponto de vista do uso em saúde pública. Uma dessas ferramentas é a
coleira impregnada com deltametrina a 4%. O MS está financiando um estudo para
avaliar o impacto do uso dessa ferramenta no controle da LV humana em
municípios de transmissão intensa do país.
Cabe ressaltar que o MS tem grande interesse pela utilização de
vacinas eficazes com o objetivo de aprimorar o controle da LV no país. No
entanto, até que os resultados dos novos estudos sejam avaliados e demonstrem a
segurança e os potenciais benefícios desta ferramenta para a saúde pública, o
MS não indica a vacinação animal como medida de controle da LV no país, assim
como preconiza a eutanásia de animais sororreagentes, mesmo vacinados, que
porventura sejam encontrados nas áreas de transmissão em que inquéritos caninos
estejam sendo realizados.
LEISHMANIOSES
LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA
SITUAÇÃO DA LEISHMANIOSE VISCERAL CANINA NO MUNICÍPIO DE NITERÓI, RJ (2011-2014)
FONTES:
Conselhos
Regionais de Medicina Veterinária da Região Sul (Paraná, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul). Manual de Zoonoses, Programa Zoonoses da Região Sul, 1 ed., 2009.
Guia
de vigilância epidemiológica / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em
Saúde, Departamento de Vigilância Epidemiológica. – 7. ed. – Brasília :
Ministério da Saúde, 2009.
Manual
de vigilância e controle da leishmaniose visceral / Ministério da Saúde,
Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância Epidemiológica. –
1. ed., 5. reimpr. – Brasília : Ministério da Saúde, 2014.
Ministério
da Saúde - http://portalsaude.saude.gov.br
Sociedade
Brasileira de Infectologia – http://www.infectologia.org.br
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