Tão vulneráveis quanto as crianças nascidas com microcefalia em decorrência da zika nos últimos três anos, no Brasil, são suas mães e outras mulheres envolvidas em seus cuidados diários. Numa rotina sistemática de consultas médicas, atividades de estímulo e de recuperação de suas crianças, elas tiveram que largar o trabalho - o que impacta na renda da família -, abandonar projetos pessoais e enfrentar as dificuldades de um sistema de saúde despreparado para atender seus filhos. Esses dados são parte dos resultados da pesquisa Impactos Sociais e Econômicos da Infecção pelo Vírus Zika, que foram apresentados na última sexta-feira (30/11), no auditório da Fiocruz Pernambuco. Desenvolvido em conjunto pela Fiocruz Pernambuco, Instituto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e London School of Hygiene and Tropical Medicine, o estudo mostra que avós, tias e irmãs adolescentes também são figuras importantes na rotina de atendimentos terapêuticos e nas atividades domésticas.
Os pais, quando presentes na vida cotidiana dessas crianças, são responsáveis por manter o sustento da família e ajudar em atividades domésticas que visam tornar mais leves os cuidados centrados nas mães. Com dados coletados de maio de 2017 a janeiro de 2018, nas cidades do Recife, Jaboatão dos Guararapes (PE) e Rio de Janeiro, a pesquisa, além de descrever o impacto da Síndrome Congênita da Zika (SCZ) nas famílias, estimou o custo da assistência à saúde das crianças com SCZ para o Sistema Único de Saúde (SUS) e para suas famílias – 50% tinham renda entre um e três salários mínimos - e identificou os impactos nas ações e serviços de saúde e na saúde reprodutiva.
Em relação às despesas, verificou-se que o custo médio com consultas em um ano foi 657% maior entre as crianças com microcefalia ou com atraso de desenvolvimento grave causado pela síndrome (grupo 1) do que com crianças sem nenhum comprometimento (grupo 3 – controle). A quantidade de consultas médicas e com outros profissionais de saúde foram superiores em 422% e 1.212%, respectivamente. Já os gastos das famílias com medicamentos, hospitalizações e óculos, entre outras coisas, ficaram entre 30% e 230% mais elevados quando comparados com as crianças sem microcefalia, mas com manifestações da SCZ e com atraso de desenvolvimento (grupo 2) e com as do grupo 3, respectivamente.
Entre as dificuldades do dia a dia, essas famílias também esbarraram numa assistência de saúde insuficiente e fragmentada, com problemas no cuidado, ausência de comunicação entre os diversos serviços especializados, assim como entre níveis de complexidade. Para os profissionais de saúde, a epidemia deu visibilidade às dificuldades de acesso de outras crianças com problemas semelhantes, determinados por outras patologias/síndromes congênitas. Revelou, ainda, que as ações governamentais continuam centradas no mosquito transmissor e na prevenção individual, sem atuação sobre os determinantes sociais.
Nas entrevistas, a maioria das mulheres em idade reprodutiva expressou sentimento de pânico em referência à gravidez durante a epidemia de zika. Elas temiam, principalmente, o impacto sobre a criança, embora não compreendessem totalmente o termo Síndrome Congênita da Zika. Por isso, utilizavam frequentemente o termo microcefalia. Incertezas sobre como elas ou os bebês podiam ser infectados foram comuns. Assim como preocupações e expressões de sofrimento em relação à deficiência e ao impacto disso sobre suas vidas.
Outro medo delas era uma gravidez não planejada, pois estavam insatisfeitas com a oferta de métodos contraceptivos disponíveis nos serviços de saúde. A maioria usava contraceptivos hormonais injetáveis no momento das entrevistas e relataram falta de informação e falhas nos métodos utilizados. O DIU não apareceu como opção e os homens mostraram-se ausentes do planejamento reprodutivo. Quase todos os entrevistados desconheciam a possibilidade de transmissão sexual do vírus zika e alguns ouviram informações sobre isso na televisão, mas não deram importância porque não era um assunto recorrente na mídia.
Também foram registradas incertezas sobre as possibilidades de transmissão e poucos receberam informações de profissionais de saúde. “Diante da falta de informações e de acesso aos métodos contraceptivos a gente questiona como a mulher vai exercer sua autonomia reprodutiva, escolher se ou quando engravidar”, afirma a pesquisadora da Fiocruz Pernambuco Camila Pimentel, que participou do estudo. “Os epidemiologistas já alertaram que uma nova epidemia de zika pode ocorrer. Ainda assim, outras questões ligadas à zika continuam sem serem trabalhadas, como a questão dos direitos reprodutivos, do apoio psicológico e da geração de renda para as mães desses bebês”, analisa Camila.
Para a realização da pesquisa foram entrevistadas mães e outros cuidadores de crianças com SCZ, mulheres grávidas, homens e mulheres em idade fértil e profissionais de saúde, totalizando 487 pessoas.
Fonte: Fiocruz
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