sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Novo Coronavírus (2019-nCov): entenda a interface com a Medicina Veterinária e os impactos na saúde pública

29 de janeiro de 2020.

Diante dos casos recentes de infecções respiratórias causadas pelo novo e desconhecido agente biológico coronavírus (2019-nCov), que teve o primeiro registro na cidade chinesa de Wuhan, nós, do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado do Rio de Janeiro (CRMV-RJ), conversamos com o médico-veterinário Flávio Moutinho, que tem experiência em vigilância ambiental, epidemiológica e sanitária, para entender melhor o cenário e os impactos do coronavírus 2019-nCov na saúde pública.  

Moutinho, que atua no Centro de Controle de Zoonoses e Vigilância Sanitária de Niterói, no Rio de Janeiro, ressalta, ainda, que o médico-veterinário como profissional essencial para a Saúde Única deve estar atento a quaisquer alterações nos animais, nas pessoas e no ambiente que possam sinalizar que algo está errado, além de exercer a sua responsabilidade quanto à notificação obrigatória da doença ou de casos suspeitos aos órgãos de saúde competentes.

Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado do Rio de Janeiro (CRMV-RJ) – O que é este novo coronavírus e quais são os riscos reais para a saúde pública?

Flávio Moutinho – Os coronavírus são uma grande família de vírus que causam infecções respiratórias e intestinais em humanos e animais. Este novo coronavírus, denominado 2019-nCoV, até então não havia sido identificado em humanos, e foi identificado após uma investigação epidemiológica de pneumonia de causa desconhecida ocorrida em dezembro de 2019 na cidade chinesa de Wuhan, que é capital da província de Hubei.

CRMV-RJ – Pode ser considerado uma zoonose?

Flávio Moutinho – De modo geral, os coronavírus podem afetar animais e humanos, podendo ter caráter zoonótico. O coronavírus causador da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS-CoV)), por exemplo, foi transmitido aos humanos a partir de gatos selvagens também na China em 2002. Já o coronavírus causador da Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS-Cov) foi transmitido aos humanos a partir de dromedários na Arábia Saudita em 2012.

Apesar das investigações epidemiológicas iniciais associarem o início da pandemia a um mercado atacadista de pescados e de haver grande proximidade genética do vírus 2019-nCoV com um coronavírus de morcegos, de acordo com a Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), ainda não há como estabelecer um reservatório animal para esse vírus, sendo fundamental que as pesquisas nesse sentido continuem e sejam aprofundadas.

De acordo com a Nota Técnica nº 2/2020/CIEP/CGPZ/DSAIP_2SDA/MAPA, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), não se sabe ainda se o vírus tem algum impacto na saúde animal, não tendo sido relatado nenhum evento específico em nenhuma espécie animal.

CRMV-RJ – Há o risco de transmissão do humano para o animal e vice-versa?

Flávio Moutinho – Pouco se sabe sobre esse novo vírus, suas formas de transmissão, período de incubação, período de transmissibilidade, letalidade, etc. Nesse sentido, todo cuidado deve ser tomado no sentido de evitar a possível propagação do mesmo, principalmente porque os dados preliminares sugerem que a transmissão possa ocorrer mesmo na ausência de sinais e sintomas. Sem alarmismo, mas com responsabilidade.

CRMV-RJ – Quais são as medidas de cuidado e prevenção?

Flávio Moutinho – Não há cuidados específicos em relação a esse agente biológico, mas sim cuidados que já devemos ter no nosso cotidiano, que é sempre bom recordar:
•  Lavar regularmente as mãos com água potável e sabão após contato com animais e produtos de origem animal.
•  Não tocar os olhos, nariz e boca após tocar em animais e produtos de origem animal.
•  Evitar contato com animais doentes.
•  Evitar contato próximo com animais de rua (principalmente próximo aos olhos, boca e nariz).
•   Dar destino adequado a cadáveres e às carcaças de animais mortos.
•  Dar destino adequado aos resíduos de serviços veterinários e de pesquisa com animais, conforme legislação vigente.
•  Consumir somente produtos de origem animal inspecionados pelo serviço de inspeção oficial.
•  Lavar as mãos com água e sabão frequentemente e, principalmente, antes das refeições e após o uso do sanitário.
•  Evitar tocar boca, olhos e nariz com as mãos não lavadas.
•  Cobrir boca e nariz ao tossir ou espirrar.

CRMV-RJ – O Brasil está preparado para combater este novo coronavírus?

Flávio Moutinho – Eu arriscaria dizer que do ponto de vista da Vigilância Epidemiológica, o Sistema Único de Saúde (SUS) tem uma estrutura robusta e experiente. No que tange às emergências respiratórias como a atual, o SUS tem planos, protocolos, guias e procedimentos de identificação, monitoramento e resposta definidos pelo menos desde 2005. O Ministério da Saúde montou o Grupo de Operações de Emergência com diversas instituições da área da saúde visando dar uma resposta conjunta e imediata em uma possível entrada do novo coronavírus no país.

Na situação atual, o processo está se estruturando a partir das informações que a Organização Mundial da Saúde vem repassando ao Brasil, já que se trata de um novo e desconhecido agente biológico. Ainda assim, o Ministério da Saúde já publicou um Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronavírus (2019-nCoV) em caso de surto e definiu níveis de resposta. O Brasil passou recentemente do nível de Alerta, que é aquele em que há risco de introdução do agente biológico no país, para Perigo Iminente, que é quando há confirmação de caso suspeito, já que temos três casos humanos suspeitos.

O que mais me preocupa, caso se instale uma epidemia no país, é a capacidade instalada da rede hospitalar pública, há anos subdimensionada, lotada e sucateada, tendo que dar conta de uma quantidade enorme de pessoas com sintomatologia respiratória e pneumonia, com potencial de transmissibilidade, precisando de isolamento. Esse talvez seja o grande problema a ser enfrentado em praticamente todo o país.

CRMV-RJ – Neste cenário, de que forma o médico-veterinário pode atuar?

Flávio Moutinho – O médico-veterinário, enquanto profissional de saúde pública e mais, enquanto profundo conhecedor da Saúde Única, deve estar atento em sua lida diária, em qualquer área de atuação. Seja na clínica de pequenos animais, seja no atendimento de animais silvestres, seja na linha de inspeção, seja numa equipe do NASF-AB (Núcleo de Apoio à Saúde da Família e Atenção Básica), deve se perceber como profissional de saúde única e notar quaisquer alterações nos animais, nas pessoas e no ambiente que possam sinalizar que algo está errado. No que diz respeito ao coronavírus, ele pode contribuir com a descoberta do animal hospedeiro do novo vírus. Além disso, ele deve sempre sensibilizar a população para os cuidados necessários para a prevenção das zoonoses, como eu exemplifiquei acima. E indo além, ele deve sempre se lembrar de notificar as doenças e agravos de notificação obrigatória, seja no Sinan ou na Defesa Sanitária, incluindo aí possíveis Eventos de Saúde Pública, à luz da Portaria de Consolidação MS nº 4/2017.

Flávio Moutinho – médico-veterinário graduado pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Tem experiência na área de Vigilância em Saúde (vigilância ambiental, epidemiológica e sanitária). Atualmente, é médico-veterinário do Centro de Controle de Zoonoses do Departamento de Vigilância Sanitária e Controle de Zoonoses da Fundação Municipal de Saúde de Niterói, RJ e professor adjunto do Departamento de Saúde Coletiva Veterinária e Saúde Pública da Faculdade de Veterinária da UFF, Niterói, RJ e do Programa de Pós Graduação em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva, parceria da UFF, UFRJ, UERJ e Fiocruz.




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