
Os mosquitos silvestres Haemagogus janthinomys e Haemagogus leucocelaenusforam
os principais responsáveis pela transmissão de febre amarela nos
recentes surtos da doença no Brasil. A conclusão é de uma pesquisa que
analisou quase 18 mil insetos entre 2015 e 2018. O amplo levantamento
encontrou mosquitos das duas espécies em grande quantidade e infectados
em cidades do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais que
apresentavam casos em humanos e em primatas. Análises do genoma dos
vírus detectados nesses mosquitos confirmaram a presença da mesma
linhagem viral identificada em macacos e pacientes. Liderado pelo
Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), o trabalho foi publicado na
revista científica Emerging Microbes and Infections.
Segundo os autores, os mosquitos do gênero Haemagogus já eram
apontados pela literatura científica como os principais transmissores da
febre amarela silvestre no Brasil. No entanto, os surtos que ocorreram
entre 2016 e 2018 – com mais de dois mil casos e cerca de 700 mortes –
atingiram principalmente a região da mata atlântica, que não tinha
registros da doença desde a década de 40. As evidências científicas da
pesquisa aumentam a compreensão sobre a atual dinâmica de disseminação
do agravo através dos mosquitos e podem contribuir para estratégias de
vigilância e controle.
“Após capturarmos e analisarmos cerca de 18 mil mosquitos de mais de
80 espécies, podemos afirmar que estas duas espécies de Haemagogus foram
os vetores primários da febre amarela no surto e são elas que devem
estar no foco das ações”, declara o coordenador da pesquisa, Ricardo
Lourenço de Oliveira, chefe do Laboratório de Mosquitos Transmissores de
Hematozoários do IOC, que atua como referência regional em vetores da
febre amarela para o Ministério da Saúde. “A partir dessas informações, é
possível estabelecer melhores estratégias de vigilância, avaliar a
receptividade de novas áreas à doença e calcular índices entomológicos
que podem contribuir para prever a possibilidade de novos surtos”,
complementa o primeiro autor do artigo, Filipe Abreu, estudante de
doutorado do Programa de Pós-graduação em Biologia Parasitária do
IOC/Fiocruz e professor do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais
(IFNMG).
Alerta para prevenção
Ao todo, os pesquisadores identificaram 89 espécies de insetos. Além dos H. janthinomys e H. leucocelaenus,
apenas três outros mosquitos silvestres foram achados com o vírus da
febre amarela, mas em baixa quantidade e em locais específicos. Nenhum Aedes aegypti ou Aedes albopictus –
insetos com potencial para transmissão da doença em área urbana – foi
encontrado infectado. Considerando os achados, os especialistas reforçam
que os surtos foram causados pela transmissão silvestre do agravo, mas
alertam que esse tipo de contágio não ocorre apenas no interior de
grandes florestas. “Existe a visão de que apenas quem penetra na mata
tem risco de pegar febre amarela silvestre, mas não é bem assim. Pessoas
que estão fora da floresta, porém em áreas próximas também podem ser
picadas pelos mosquitos silvestres. A prevenção da doença,
principalmente a vacinação, precisa considerar isso”, enfatiza Ricardo. O
entomologista ressalta ainda que não foi encontrado qualquer sinal de
transmissão urbana da doença. “Nem mesmo mosquitos Aedes coletados no
interior de casas de pessoas com febre amarela estavam infectados”,
completou.
Na pesquisa, mosquitos Haemagogus foram capturados tanto no interior
das áreas de mata, quanto nas franjas da floresta e nas áreas abertas
adjacentes, incluindo quintais de casas próximas. Os vetores também
estavam presentes em fragmentos florestais pequenos, muitas vezes, ao
lado de bairros com características urbanas.
Transmissão acelerada
As coletas de insetos começaram em 2015, antes mesmo da primeira onda
de casos, com início em dezembro de 2016. O levantamento tinha como
objetivo avaliar a possibilidade de transmissão da febre amarela na
região Sudeste, uma vez que se verificava uma ampliação na rota de
disseminação da doença, com registro de casos fora da área endêmica, nas
regiões Norte e Centro-Oeste. Mais de cinco mil mosquitos foram
capturados em 28 cidades sem transmissão do agravo no Rio de Janeiro,
São Paulo e Minas Gerais. A presença dos vetores tradicionais da febre
amarela, os Haemagogus e os Sabethes, foi verificada em 82% dos locais,
apontando alto potencial de transmissão.
Durante os surtos, a área da pesquisa foi ampliada seguindo as
notificações do agravo, incluindo também Espírito Santo e Bahia. Nos
cinco estados abrangidos, mais de dez mil mosquitos adultos e quase mil
ovos foram coletados em 21 cidades com casos humanos ou em primatas,
totalizando 44 cidades, sendo cinco contempladas nos dois levantamentos.
Os H. leucocelaenus foram encontrados em mais de 70% das localidades e
os H. janthinomys, em 57% dos municípios.
A presença do vírus da febre amarela foi detectada em vetores de nove
cidades: Macaé, Maricá, Teresópolis, Nova Iguaçu, Valença e Angra dos
Reis (Ilha Grande), no Rio de Janeiro; Belmiro Braga e Juiz de Fora, em
Minas Gerais; e Domingos Martins, no Espírito Santo. Em oito delas,
foram capturadas as espécies H. janthinomys e/ou H. leucocelaenus naturalmente infectadas. Dessa forma, os dados confirmam o papel tradicional do H. janthinomys e consolidam, pela primeira vez, o H. leucocelaenus como vetor primário da febre amarela na região.

Pequisadores trabalhando na coleta de insetos (Foto: divulgação)
Apenas em Ilha Grande, no litoral sul fluminense, a infecção não foi
detectada nos vetores primários. O vírus foi identificado em mosquitos Sabethes chloropterus,
apontados pela literatura científica como vetores secundários da
doença. “Em Maricá, o vírus também foi encontrado em duas espécies
silvestres de Aedes, o Aedes scapularis e o Aedes taeniorhynchus,
que não possuem relevância na transmissão. Provavelmente, esses
mosquitos se infectaram devido à alta concentração de primatas
infectados pela picada dos Haemagogus. Os animais doentes costumam
descer ao solo da mata, onde são expostos a esses Aedes, que geralmente
não voam para a copa das árvores”, explica Filipe.
O trabalho evidenciou a rápida disseminação da febre amarela durante
os surtos. Todos os mosquitos infectados foram encontrados em coletas
realizadas de 3 a 24 dias depois da confirmação de casos em primatas ou
pessoas na região. “O vírus da febre amarela tem alto potencial de
disseminação pela floresta. Durante o período de transmissão intensa,
encontramos muitos vetores infectados. Porém, em menos de 30 dias, já
não achamos mais mosquitos com vírus nas amostras dos locais. Esse dado é
importante para a vigilância e reforça a necessidade de detectar
precocemente as epizootias [infecção em animais] para prevenir a
transmissão da doença para as pessoas”, ressalta Ricardo.

Especialistas analisaram os mosquitos e classificaram as espécies (Foto: Josué Damacena)
Mobilização para resposta à saúde pública
Além do longo período de trabalho de campo, o estudo exigiu um grande
esforço para identificar espécies de insetos e realizar análises
moleculares. No laboratório, cada um dos 17.662 mosquitos coletados foi
analisado por especialistas em taxonomia para identificação das
espécies. Para preservar o material genético do vírus da febre amarela,
os vetores foram mantidos resfriados desde a coleta em campo. Separados
por espécie, data e local de coleta, mais de dois mil grupos de
mosquitos foram submetidos às análises moleculares para detectar o
genoma viral. O sequenciamento genético apontou para a linhagem
associada à epidemia, pertencente ao genótipo sul americano 1E. “Todos
os vírus detectados nos mosquitos apresentaram um conjunto de mutações
identificado nos primeiros sequenciamentos de
microrganismos referentes ao surto e que pode ser considerado uma
assinatura molecular desses patógenos”, aponta Myrna Bonaldo, chefe do
Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus do IOC/Fiocruz, e uma
das autoras do artigo.
Além da parceria entre o Laboratório de Mosquitos Transmissores de
Hematozoários e o Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus do
IOC/Fiocruz, o trabalho contou com a colaboração do Ministério da Saúde e
das Secretarias Estaduais de Saúde do Rio de Janeiro, Espírito Santo,
Minas Gerais e Bahia. As Secretarias Municipais de Saúde das cidades
onde ocorreram as coletas de insetos também apoiaram a pesquisa.
Participaram ainda IFNMG, Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes),
Universidade de Montpellier, Universidade Paris-Leste e Instituto
Pasteur, da França.
“O resultado alcançado só foi possível por causa das colaborações
internas no Instituto Oswaldo Cruz e externas, tanto com as Secretarias e
o Ministério da Saúde, quanto com instituições científicas do Brasil e
do exterior”, ressalta Ricardo.
Importância da vacinação
Devido à baixa cobertura vacinal, o Brasil se viu, nos verões de 2017
e de 2018, diante dos dois maiores surtos de febre amarela da história.
No verão deste ano a doença chegou à região Sul, com quatro casos já
confirmados no estado do Paraná. Tendo em vista o risco iminente de
novas infecções, o Ministério da Saúde recomendou, no último dia 14 de
fevereiro, que quem mora ou vai viajar para as regiões Sul e Sudeste
deve se vacinar contra a febre amarela e é preciso tomar a dose ao menos
dez dias antes da viagem. Clique aqui e confira o alerta de pesquisadores do IOC/Fiocruz sobre a importância da vacinação.
Fonte: Fiocruz
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