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terça-feira, 10 de maio de 2022

Fiocruz e Lacen-GO detectam novo genótipo do vírus da dengue no Brasil

 

Pela primeira vez, o genótipo cosmopolita do sorotipo 2 do vírus da dengue foi detectado no Brasil. Presente na Ásia, Pacífico, Oriente Médio e África, a linhagem é a mais disseminada no mundo, mas nunca tinha sido encontrado no território brasileiro. A identificação foi realizada em fevereiro em uma amostra referente a um caso ocorrido no final de novembro em Aparecida de Goiânia, em Goiás. O achado representa o segundo registro oficial desse genótipo nas Américas, após um surto no Peru, em 2019.

A detecção, liderada pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) em parceria com o Laboratório Central de Saúde Pública de Goiás (Lacen-GO), foi comunicada imediatamente às secretarias municipal e estadual de Saúde e ao Ministério da Saúde. Para informação à comunidade científica, um artigo foi publicado na plataforma de pré-print medRxiv, que permite a divulgação rápida de resultados, antes do processo de revisão por pares. O trabalho também foi submetido para publicação em revista científica e atualmente se encontra em fase de revisão.


Nas Américas, linhagem cosmopolita do sorotipo 2 do vírus da dengue
foi detectada em Goiás,no Brasil, e em Madre de Dios, no Peru
(reprodução: Giovanetti e colaboradores)


O vírus da dengue possui quatro sorotipos, nomeados como 1, 2, 3 e 4, e cada sorotipo pode ser subdividido em diferentes genótipos (também chamados de linhagens), devido à presença de variações genéticas. O genótipo cosmopolita é uma das seis linhagens do sorotipo 2 do patógeno.

Para os pesquisadores, a chegada dessa cepa ao Brasil preocupa, porque existe a possibilidade de ela se disseminar de forma mais eficiente do que a linhagem asiático-americana, também conhecida como genótipo 3 do sorotipo 2, que atualmente circula no país.

“Ainda não sabemos como será a proliferação do genótipo cosmopolita no Brasil. Mundialmente, ele é muito mais distribuído e causa mais casos do que o genótipo asiático-americano, que circula no Brasil há anos. O quadro global indica que a linhagem cosmopolita tem capacidade de se espalhar facilmente”, afirma o coordenador da pesquisa, Luiz Carlos Júnior Alcantara, pesquisador do Laboratório de Flavivírus do IOC/Fiocruz.

A possibilidade de associação entre a linhagem cosmopolita e o aumento de casos de dengue no estado de Goiás em 2022 é, até o momento, descartada pelos cientistas com base no sequenciamento genético de amostras realizado no estado. Ao todo, cerca de 60 genomas foram decodificados pelos pesquisadores nas duas primeiras semanas de fevereiro. Estas amostras foram selecionadas de forma aleatória entre as amostras de casos de dengue confirmados pelo Lacen-GO nos meses anteriores. Aproximadamente metade pertencia ao sorotipo 1 e a outra metade ao sorotipo 2. Entre as amostras do sorotipo 2, apenas uma era do genótipo cosmopolita e todas as demais apresentavam o genótipo asiático-americano, atualmente circulante no Brasil.

“Os dados mostram que o surto de dengue em Goiás não é causado pelo genótipo cosmopolita”, declara Alcantara, acrescentando que a dengue tem comportamento cíclico no Brasil, que se relaciona com diversos fatores ligados ao vetor e ao vírus, assim como às condições climáticas e de vida da população.

Considerando a rápida identificação do genótipo cosmopolita, os pesquisadores avaliam que é possível agir para conter a sua disseminação. “A detecção precoce permite reforçar as medidas de controle. Esperamos que isso possa ajudar a limitar a propagação dessa linhagem no Brasil e nas Américas, onde já temos um cenário epidemiológico complexo, com múltiplos patógenos em circulação”, avalia a primeira autora do estudo, Marta Giovanetti, pós-doutoranda do Laboratório de Flavivírus do IOC/Fiocruz.

Entre as principais ações para conter a disseminação da dengue, está a eliminação de depósitos de água parada, que podem se tornar criadouros do mosquito Aedes aegypti, transmissor da doença. Conheça a estratégia 10 minutos contra o Aedes.


Vigilância genômica

Além das ações de combate à dengue, os pesquisadores enfatizam a importância de intensificar a vigilância genômica do agravo para mapear a possível circulação da linhagem cosmopolita e compreender melhor as rotas de introdução do vírus no país.

Análises iniciais realizadas pelos cientistas mostram que o patógeno detectado no Brasil é semelhante a dois microrganismos isolados durante o surto registrado na província de Madre de Dios, no Peru, em 2019. Porém, ainda não é possível dizer que o genótipo cosmopolita foi introduzido no Brasil a partir do Peru.

“Considerando os genomas disponíveis, vemos que os vírus do Peru e do Brasil têm relação com genomas oriundos de um surto registrado em Bangladesh. Tudo indica que a introdução nas Américas ocorreu a partir da Ásia, provavelmente através de viagens intercontinentais. Porém, para compreender a dinâmica da dispersão no continente americano precisamos ter mais amostras sequenciadas”, esclarece Marta.

“A província de Madre de Dios faz fronteira com o estado do Acre, no Brasil. A vigilância genômica ativa nessa região, com sequenciamento genético de amostras do dengue 2, seria importante para entender essa introdução e orientar as ações para conter o espalhamento viral”, acrescenta a cientista.

A identificação do genótipo cosmopolita do vírus da dengue foi realizada a partir de um projeto de vigilância genômica de arbovírus em tempo real, liderado pelo Laboratório de Flavivírus do IOC/Fiocruz. Na iniciativa, os pesquisadores se deslocam para os Laboratórios Centrais de Saúde Pública dos estados (Lacens) e realizam a decodificação de genomas com equipamentos portáteis para sequenciamento genético. Desde 2020, o trabalho contempla também a vigilância genômica do Sars-CoV-2, causador da Covid-19, recebendo o nome de VigECoV-2.

“Em geral, passamos uma semana em cada Lacen e, nesse período, conseguimos gerar mais de 250 genomas. Fazemos as análises em tempo real e apresentamos os resultados ao Lacen, à Secretaria estadual de Saúde e ao Ministério da Saúde. O objetivo é que esses dados possam servir de apoio para políticas públicas de saúde”, destaca Alcantara, lembrando que a equipe do projeto também oferece treinamentos para os profissionais dos laboratórios.

O projeto tem colaboração do Ministério da Saúde – através das coordenações Gerais das Arboviroses (CGArb) e de Laboratórios de Saúde Pública (CGLab) –, da Organização Pan-americana da Saúde (Opas), do Centro para Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) e dos  Institutos Nacionais de Saúde (NIH, na sigla em inglês), ambos dos Estados Unidos.


Fonte:  IOC/Fiocruz



terça-feira, 21 de julho de 2020

Droga experimental diminui a replicação do zika e previne microcefalia em camundongos


Composto inibe a ação de uma proteína que é ativada pelo vírus para suprimir a resposta imune
do hospedeiro. Terapia também se mostrou eficaz contra o vírus da dengue e será testada no
Instituto de Ciências Biomédicas da USP contra o novo coronavírus (micrografia eletrônica
de transmissão colorida do vírus zika; imagem: Cynthia Goldsmith/CDC)


Um grupo internacional de pesquisadores descobriu que a inibição de uma proteína chamada AhR (receptor para aril hidrocarboneto) permite ao sistema imune combater com muito mais eficácia a replicação do vírus zika no organismo. Em experimentos feitos no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), a terapia antiviral se mostrou capaz de prevenir o desenvolvimento de microcefalia e outras malformações em fetos de camundongos cujas mães foram infectadas durante a gestação.

Os resultados da pesquisa, apoiada pela FAPESP, foram divulgados hoje na revista Nature Neuroscience.

“Usamos nos testes uma droga experimental capaz de inibir a AhR e observamos diminuição na replicação tanto do zika como do vírus da dengue. Agora pretendemos testar o efeito da terapia contra o novo coronavírus”, conta o professor do ICB-USP Jean Pierre Peron, que coordenou a investigação ao lado dos pesquisadores Cybele Garcia (Universidad de Buenos Aires, Argentina) e Francisco Quintana (Harvard Medical School, Estados Unidos).

O modelo experimental usado no trabalho foi o mesmo que permitiu ao grupo de Peron comprovar, em 2016, a relação causal entre o zika e a microcefalia (leia mais em agencia.fapesp.br/23185/). Naquela ocasião, fêmeas de camundongo da linhagem SJL – bem mais suscetível à infecção do que outras normalmente usadas em laboratório – foram infectadas com o vírus entre o 10º e o 12º dia de gestação. Quando os filhotes nasceram, os pesquisadores notaram uma redução significativa na espessura do córtex cerebral, além de alterações na quantidade e na morfologia das células neuronais. Observaram ainda que o vírus estava se replicando na placenta e no cérebro dos roedores recém-nascidos em quantidades muito maiores do que em outros órgãos.

“Repetimos agora esse experimento, mas com uma diferença. Pouco antes de infectar as fêmeas prenhas com o zika nós começamos a administrar o inibidor de AhR. O tratamento foi feito por via oral até o fim da gestação. Ao nascerem, os filhotes apresentaram cérebros com tamanho e peso normais e uma carga viral muito mais baixa que a do grupo não tratado, quase indetectável, tanto na placenta como no sistema nervoso central. Além disso, análises histopatológicas mostraram que não houve redução na espessura do córtex e que o número de células nervosas mortas pelo vírus foi muito menor”, relata Peron.

Segundo o pesquisador, os camundongos tratados com o inibidor de AhR não apresentaram efeitos adversos. Antes de se pensar em testes com humanos, porém, ele considera necessário replicar o experimento em macacos.

A pesquisa levou quatro anos para ser concluída e contou com a participação das doutorandas do ICB-USP Nagela Zanluqui e Carolina Polonio, ambas bolsistas da FAPESP.

O início
O laboratório coordenado por Quintana em Harvard é um dos principais centros mundiais de estudo da proteína AhR. Em entrevista à Agência FAPESP, o professor de neurologia conta que seu grupo descobriu há alguns anos que proteínas do tipo interferon, secretadas por células do sistema imune, controlam a ativação desse receptor celular.

“Como os interferons são moléculas centrais na resposta imune antiviral, postulamos – em conjunto com o grupo de Garcia – que a AhR poderia estar envolvida na supressão da imunidade contra vírus. Projetamos terapias anti-AhR e geramos nanopartículas e inibidores para uso nos experimentos”, diz.

Testes feitos in vitro e in vivo confirmaram que o vírus ativa a proteína AhR para suprimir a resposta imune do hospedeiro. Tal feito possivelmente ocorre quando o patógeno infecta o fígado e induz a liberação do metabólito quinurenina, um subproduto do aminoácido triptofano.

“Esse metabólito ativa a AhR que, por sua vez, inibe a expressão de uma outra proteína chamada PML [proteína leucemia promielocítica, muito importante para a resposta imune antiviral], permitindo que o zika se replique mais livremente nas células”, explica Peron.

Na Universidad de Buenos Aires, Garcia coordenou experimentos em diversos tipos de linhagens celulares, entre elas hepatócitos e progenitoras neurais – um tipo de célula-tronco que pode se diferenciar em neurônios.

“Tratamos as linhagens celulares com compostos agonistas de AhR [que amplificam a ação da proteína] e também com antagonistas [que inibem]. Confirmamos assim que a modulação negativa desse receptor inibe a replicação do zika. Do mesmo modo, comprovamos que a modulação positiva aumenta a replicação viral nas células”, conta.

Fatores ambientais
Como ressalta a virologista da Universidad de Buenos Aires, o impacto causado pela epidemia de zika em 2015 foi bastante assimétrico. Em determinadas regiões e cidades, a incidência de síndrome congênita e microcefalia causada pelo vírus foi muito maior do que em outras. Na avaliação da pesquisadora, isso pode indicar que nesses locais afetados com mais gravidade existia uma condição ambiental que favorecia a infecção ou então que aquelas populações eram mais suscetíveis. Os dois fatores também podem ter contribuído simultaneamente para aumentar o impacto do vírus.

“Coincidentemente, a AhR pode ser ativada por poluentes ambientais, bem como por uma certa dieta ou pela microbiota endógena. Nosso próximo desafio é descartar ou confirmar se existe uma relação entre a AhR, ambientes poluídos ou degradados socioeconomicamente e uma maior virulência do zika”, conta Garcia à Agência FAPESP.

O artigo AhR is a Zika virus host factor and a candidate target for antiviral therapy pode ser lido em www.nature.com/articles/s41593-020-0664-0.

21 de julho de 2020 - Karina Toledo | Agência FAPESP 

Fonte:  Agência FAPESP 

segunda-feira, 29 de junho de 2020

Estudos da UFF e da Fiocruz ajudarão Niterói na batalha contra o coronavírus.




Em parceria com a Fundação Municipal de Saúde de Niterói (FMS), a UFF - Universidade Federal Fluminense e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) estão realizando um estudo dos primeiros casos e contatos de coronavírus no município, com objetivo de aprimorar ações e intervenções de prevenção e controle da pandemia. Com dados de março a abril de 2020, a pesquisa revelará como a doença atingiu Niterói, estimará a proporção de pessoas infectadas e assintomáticas e realizará projeções tanto do número total de pessoas infectadas pelo novo coronavírus, como de óbitos no município. Os contatos são realizados por telefonema com aqueles que testaram positivo no perímetro temporal da pesquisa e também seus contatos próximos, como familiares e amigos. Nesta parceria com a UFF, a Fundação Municipal de Saúde se dispôs a realizar essas testagens nos domicílios. Os dados serão utilizados para formar curvas epidemiológicas ajustadas para casos confirmados, número de casos não reportados, e número total de pessoas infectadas; além de estimativas oportunas da gravidade e transmissibilidade da doença.

As evidências científicas disponíveis ajudarão Niterói na tomada de decisões contra o coronavírus.


quinta-feira, 25 de junho de 2020

Estudo identifica circulação de nova linhagem da zika no Brasil

A fêmea do Aedes aegypti é vetor de transmissão
da tríplice epidemia (dengue, chikungunya e zika)

Mesmo em meio a uma pandemia que tem afetado o cotidiano de todos, a população brasileira ainda convive com as consequências da última emergência nacional de saúde pública: a da zika, que desde 2015 levou ao nascimento de 3.534 bebês com Síndrome Congênita da Zika (SCZ). Uma nova linhagem do vírus da zika foi descoberta circulando recentemente no Brasil por pesquisadores do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs) da Fiocruz Bahia e a possibilidade de reemergência da epidemia de arbovirose ganhou mais força. O achado foi publicado no início de junho no periódico International Journal of Infectious Diseases e serve como alerta para a vigilância da doença. A ferramenta desenvolvida pelos pesquisadores pode ser acessada aqui. E o estudo está aqui.

De acordo com o último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, das principais arboviroses que circulam no Brasil, a zika tem sido a com menor número de casos em 2020: foram notificados 3.692 casos prováveis (taxa de incidência 1,8 casos por 100 mil habitantes), em detrimento de 47.105 casos prováveis de chikungunya (taxa de incidência de 22,4 casos por 100 mil habitantes) e 823.738 casos prováveis (taxa de incidência de 392,0 casos por 100 mil habitantes) de dengue. Mas essa situação pode mudar caso uma nova linhagem genética comece circular na população.

Ferramenta
A introdução de uma nova linhagem no país foi identificada por uma ferramenta de monitoramento genético desenvolvida por pesquisadores vinculados ao Cidacs e ao Instituto Gonçalo Moniz (Fiocruz Bahia); Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC); Universidade Salvador (Unifacs) e a Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP). O pesquisador da Plataforma de Bioinformática do Cidacs, Artur Queiroz, um dos líderes do estudo, explica que a ferramenta desenvolvida pelo grupo analisa sequências disponíveis em banco de dados públicos e permite identificar as linhagens de Zika presentes em bases de dados do National Center for Biotechnology Information (NCBI – Centro Nacional de Informação Biotecnológica, em tradução livre).

“Pegamos esses dados e analisamos, selecionamos as sequências do brasil e mostramos a frequência desses tipos virais ano a ano. O principal achado é que vemos uma variação de subtipos e linhagens durante os anos, sendo que em 2019 há o aparecimento, mesmo que pequeno, de uma linhagem que até então não era descrita circulando no país”, explica.

Identificação
São conhecidas duas linhagens do vírus zika: a asiática e a africana (sendo que essa é subdividida em oriental e ocidental). A ferramenta analisou 248 sequências brasileiras submetidas a base de dados desde 2015. Até 2018, os dados genéticos encontrados eram majoritariamente cambojanos (mais de 90%), proporção que mudou radicalmente em 2019, quando o subtipo oriundo da micronésia passou a ser responsável por 89,2% das sequências submetidas ao banco genético.

Mas o que surpreendeu os pesquisadores foi a identificação da emergência do tipo africano, até então inexistente no Brasil. “A linhagem africana foi isolada em duas regiões diferentes do Brasil: no Sul, vindo do Rio Grande do Sul, e no Sudeste, do Rio de Janeiro”, informa o estudo.

A distância geográfica e a diferença de hospedeiros (uma foi encontrada em um mosquito “primo” do Aedes aegypt, o Aedes albopictus, e outro em uma espécie de macaco) sugerem que essa linhagem já está circulando no país há algum tempo e pode ter potencial epidêmico, uma vez que a maior parte da população não tem anticorpos para essa nova linhagem do vírus. Para Queiroz, o achado demonstra a utilidade da ferramenta como “um bom mecanismo de vigilância e alerta para a possibilidade de uma nova epidemia do vírus zika”.

“Atualmente, com as atenções voltadas para a Covid-19, este estudo serve de alerta para não esquecermos outras doenças, em especial zika. A circulação do vírus no país, bem como a realização de estudos genéticos devem continuar sendo realizados a fim de evitar um novo surto da doença com o novo genótipo circulante”, reforça Larissa Catharina Costa, uma das autoras do estudo.

Por Raiza Tourinho (Fiocruz Bahia)

Fonte:  Fiocruz

terça-feira, 12 de maio de 2020

Novo coronavírus circulou sem detecção na Europa e Américas


Uma pesquisa liderada pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) aponta que a circulação do novo coronavírus (Sars-CoV-2) foi iniciada até quatro semanas antes dos primeiros casos serem registrados em países da Europa e das Américas. O estudo, que utiliza uma metodologia estatística de inferência a partir dos registros de óbitos, indica que, enquanto os países monitoravam os viajantes e confirmavam os primeiros casos importados da Covid-19, a transmissão comunitária da doença já estava em curso. 

Segundo o trabalho, publicado na revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, o novo coronavírus começou a se espalhar no Brasil por volta da primeira semana de fevereiro. Ou seja, mais de 20 dias antes do primeiro caso ser diagnosticado em um viajante que retornou da Itália para São Paulo, em 26 de fevereiro, e quase 40 dias antes das primeiras confirmações oficiais de transmissão comunitária, em 13 de março. Na Europa, a circulação da doença começou aproximadamente em meados de janeiro na Itália e entre final de janeiro e início de fevereiro, na Bélgica, França, Alemanha, Holanda, Espanha e Reino Unido. O começo de fevereiro também foi o período de início da disseminação na cidade de Nova York, nos Estados Unidos, de acordo com o estudo.


Arte: Jefferson Mendes


A pesquisa é a primeira a apontar o período de início da transmissão comunitária no Brasil e reforça evidências preliminares de pesquisas conduzidas na Europa a partir de análises genéticas. Corrobora ainda achados de estudos realizados nos Estados Unidos, que indicaram começo da propagação viral na cidade de Nova Iorque entre 29 de janeiro e 26 de fevereiro. 

Assim como no Brasil, na Itália, Holanda e Estados Unidos, a disseminação comunitária já estava ocorrendo havia duas a quatro semanas quando os primeiros casos importados do Sars-CoV-2 foram identificados pela confirmação de testes laboratoriais entre viajantes. Nos demais países, os primeiros registros oficiais da infecção em viajantes ocorreram poucos dias antes ou depois do início da transmissão local estimada na pesquisa.

Os autores destacam que, em todos os países analisados, a circulação da Covid-19 começou antes que fossem implementadas medidas de controle, como restrição de viagens aéreas e distanciamento social. “Esse período bastante longo de transmissão comunitária oculta chama a atenção para o grande desafio de rastrear a disseminação do novo coronavírus e indica que as medidas de controle devem ser adotadas, pelo menos, assim que os primeiros casos importados forem detectados em uma nova região geográfica”, afirma o pesquisador do Laboratório de Aids e Imunologia Molecular do IOC/Fiocruz, Gonzalo Bello, coordenador da pesquisa.

Apesar de vários países terem o início da transmissão comunitária em momentos muito próximos, a expansão da epidemia em cada localidade parece ter seguido uma dinâmica própria. “Muito provavelmente, a dinâmica de expansão da epidemia foi definida por fatores locais, como características ambientais de temperatura, precipitação e poluição do ar, densidade e demografia da população”, acrescenta o pesquisador do Instituto Gonçalo Moniz (Fiocruz-Bahia), Tiago Graf. 

Além de ajudar a esclarecer o início de transmissão local do Sars-CoV-2 nos países estudados, os autores destacam que os resultados obtidos reforçam a importância da implementação de ações permanentes de vigilância molecular, uma vez que o novo coronavírus pode voltar a circular e causar surtos ao longo dos próximos anos. “A intensa vigilância virológica é essencial para detectar precocemente a possível reemergência do vírus, informando os sistemas de rastreamento de contatos e fornecendo evidências para realizar as medidas de controle apropriadas”, completa Gonzalo.

O estudo foi realizado pelo Laboratório de Aids e Imunologia Molecular do IOC/Fiocruz em parceria com Fiocruz-Bahia, Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e Universidade da República (Udelar), no Uruguai. Os resultados foram publicados na seção Fast Track da revista científica Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, que permite a divulgação acelerada de pesquisas relacionadas à pandemia.


Lacuna superada

Gonzalo e toda a equipe envolvida no trabalho têm larga experiência em pesquisas aplicadas ao entendimento do início de surtos e epidemias, tendo realizado estudos com técnicas baseadas em análise genética para HIV, hepatites, dengue, zika e febre amarela, entre outros agravos. “Este tipo de análise é um aporte valioso da Ciência para a Saúde Pública, na medida em que ajuda a elucidar uma lacuna de tempo imediatamente anterior à detecção inicial de casos”, afirma o pesquisador.

Para este tipo de investigação, é fundamental contar com um volume representativo de genomas dos vírus encontrados em amostras de pacientes. “Porém, o curto tempo desde o início da epidemia combinado com a quantidade limitada de genomas de Sars-CoV-2 disponível torna muito difícil a aplicação da genômica molecular para inferir o início da transmissão local na maioria dos países”, comenta o pesquisador da Ufes Edson Delatorre. 

Por isso, para estimar o período de início da transmissão viral comunitária do novo coronavírus, os pesquisadores desenvolveram um novo método. Os cientistas partiram de um dos traços mais trágicos e marcantes da Covid-19: o crescimento exponencial do número de mortes nas primeiras semanas de surto. Uma vez que a carência de testes de diagnóstico e o grande percentual de infecções assintomáticas dificultam a contagem de casos da doença, os registros de óbito são considerados a informação mais confiável sobre o progresso da epidemia, podendo ser utilizados como um rastreador “atrasado”, que permite observar o curso da doença de forma retrospectiva.

Considerando que o tempo médio entre a infecção e o óbito por Covid-19 é de cerca de três semanas e a taxa de mortalidade da doença é de aproximadamente 1%, os cientistas aplicaram um método estatístico para inferir o momento de início da epidemia a partir do número acumulado de mortes nas primeiras semanas de surto em cada país. “Observando os dois países onde já existe grande número de genomas sequenciados – China e Estados Unidos –, constatamos que a estimativa obtida a partir do número de mortes foi semelhante à obtida a partir da análise genética, validando a nova abordagem”, afirma a pesquisadora da Udelar Daiana Mir. 


Cenário no Brasil 

No Brasil, outras evidências, obtidas a partir de metodologias diferentes, apoiam a estimativa de que a transmissão local da Covid-19 começou no início de fevereiro, coincidindo com a expansão da epidemia na América do Norte e Europa. De acordo com o InfoGripe, sistema da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que monitora as hospitalizações de pacientes com sintomas respiratórios agudos graves (SRAG), o número de internações encontra-se acima do observado em 2019 desde meados de fevereiro de 2020. Além disso, análises moleculares retrospectivas de amostras de SRAG detectaram um caso de infecção por Sars-CoV-2 no Brasil na quarta semana epidemiológica, entre 19 e 25 de janeiro. O aumento sustentado no número de infecções foi observado a partir da sexta semana epidemiológica, entre 2 e 8 de fevereiro, conforme apresentado no MonitoraCovid-19, sistema do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz). 

"Esses dados epidemiológicos confirmam a introdução do Sars-CoV-2 no Brasil desde o fim de janeiro e claramente sustentam nossos resultados, que apontam que o vírus estava circulando na população brasileira desde o início de fevereiro", pontua Gonzalo.


Fonte:  Fiocruz
Por Maíra Menezes (IOC/Fiocruz)


segunda-feira, 4 de maio de 2020

Em projeto pioneiro, parceria entre Prefeitura de Niterói e Fiocruz identifica coronavírus na rede de esgoto da cidade



A Prefeitura de Niterói, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a concessionária Águas de Niterói, iniciou estudo para identificar a presença de material genético do novo coronavírus (SARS-CoV-2) em amostras do sistema de esgotos da cidade. O objetivo é acompanhar o comportamento da disseminação do vírus ao longo da pandemia de Covid-19.

As primeiras coletas foram realizadas em 15 de abril. Estão sendo coletadas amostras de esgoto bruto em 12 pontos georreferenciados e estrategicamente distribuídos pela cidade de Niterói, incluindo estações de tratamento de esgotos (ETEs), pontos de descarte de efluente hospitalar e rede coletora de esgotos, nos bairros de Icaraí, Jurujuba, Camboinhas, Maravista, Sapê e nas comunidades do Palácio, Cavalão, Preventório, Vila Ipiranga, Caramujo, Maceió e Boa Esperança. A previsão é de que, na primeira etapa do projeto, o monitoramento seja realizado durante quatro semanas, com possibilidade de prorrogação. Na primeira semana, foi possível detectar material genético do novo coronavírus em amostras de esgotos em cinco dos 12 pontos de coleta: três poços de visita (PVs) de troncos coletores do bairro de Icaraí e nas entradas da ETE Icaraí e ETE Camboinhas.

“Esta é uma importante parceria entre a ciência e as políticas públicas que vai nos ajudar a salvar vidas. Isso para nós é muito importante, porque nos permite verificar quais comunidades têm uma incidência maior do coronavírus a partir das amostras do esgoto, mesmo que naquele local haja muitas pessoas assintomáticas", explica o secretário municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão da Prefeitura de Niterói, Axel Grael. "Como a Prefeitura está iniciando um programa amplo de testagem, e nosso objetivo é priorizar justamente as comunidades, o resultado dessa pesquisa pode indicar em quais comunidades devemos intensificar as ações. Niterói está chegando à universalização do saneamento, tem a maior rede coletora do Estado e está entre as 10 do país. E isso viabiliza uma pesquisa desse tipo".

Evidências científicas recentes mostram que o novo coronavírus está presente em fezes. O projeto utiliza a análise de amostras de esgotos como um instrumento de vigilância, permitindo identificar regiões com presença de casos da doença, mesmo os ainda não notificados no sistema de saúde. O monitoramento ambiental realizado pela Fiocruz, que desenvolve atividades de pesquisa na área de Virologia Ambiental há mais de 15 anos, está alinhado com estudos científicos internacionais, que têm demonstrado a importância da vigilância baseada em esgotos para a detecção precoce de novos casos de Covid-19.

“O monitoramento da circulação do novo coronavírus durante a epidemia subsidiará informações para a vigilância em saúde, permitindo otimizar o uso dos recursos disponíveis e fortalecer medidas de profilaxia na área, uma vez que a investigação sistemática da presença do material genético do vírus na rede de esgotos sanitários pode fornecer um retrato da presença de casos positivos em determinada localidade, incluindo assintomáticos e subnotificados no sistema de saúde. Este estudo confirma a importância da vigilância baseada em águas residuárias como uma abordagem promissora para entender a ocorrência do vírus em uma determinada região geográfica, assim como a inserção da Virologia Ambiental nas Políticas Públicas de Saúde”, explica a pesquisadora Marize Pereira Miagostovich, chefe do Laboratório de Virologia Comparada e Ambiental do IOC/Fiocruz e responsável pela pesquisa.

A virologista ressalta que até o momento não existem evidências científicas sobre a possibilidade de transmissão do novo coronavírus pelas fezes.

“Nossas análises detectam a presença de fragmentos de material genético do vírus, indicando que existe presença de casos positivos em determinada localidade. Porém, ainda não há evidências na literatura científica de que, quando excretado nas fezes, o vírus ainda esteja viável para infectar outras pessoas”, esclarece. Até o momento, a via respiratória é o principal modo de transmissão, através de gotículas respiratórias geradas pela tosse ou espirros.

Para a pesquisadora Camille Mannarino, da ENSP/Fiocruz, o estudo reforça a importância da relação entre saneamento e saúde.

“O monitoramento de Covid-19 em esgotos sanitários tanto subsidia ações regionalizadas de contenção da transmissão quanto permite antecipar a mobilização da atenção primária em saúde em determinada localidade onde a circulação viral seja detectada previamente pelo monitoramento dos esgotos”, ressalta.

No entanto, ela destaca que este tipo de vigilância apenas é possível nos municípios em que uma parcela significativa da população é atendida por rede coletora de esgotos e a operadora do serviço tem controle sobre o sistema. “No caso de Niterói, a cobertura da rede de esgotos é de 95%. A adequada coleta e tratamento de esgotos também são fundamentais para a não contaminação de águas de abastecimento e recreação”, justifica a engenheira sanitarista.

Resultados – Os resultados iniciais evidenciam a eficácia da metodologia na ampliação da vigilância de propagação do novo coronavírus. Foi utilizado o método de ultracentrifugação, tradicionalmente empregado para concentração de vírus em esgotos, associado a técnica de RT-PCR em tempo real, indicada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). As amostras coletadas na segunda e terceira semanas estão em fase processamento.

As análises são lideradas pelo Laboratório de Virologia Comparada e Ambiental do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), em colaboração com o Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo, também do IOC/Fiocruz. O planejamento e realização das coletas é feito pelo Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/Fiocruz), em colaboração com a concessionária Águas de Niterói, que opera os serviços de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgotos da cidade.




segunda-feira, 27 de abril de 2020

O que fazer com nossos melhores amigos em tempos da pandemia da covid-19?




Por Natalia Albuquerque, pesquisadora do Laboratório de Etologia Canina do Instituto de Psicologia da USP, e outros*


No último dia 20 de abril, um grupo de 13 pesquisadores do Laboratório de Etologia Canina (Leca) do Instituto de Psicologia (IP) da USP, coordenado pela professora Carine Savalli, docente da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e orientadora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Experimental da USP, tornou público o documento intitulado “Cães e gatos domésticos em tempos da pandemia da covid-19”. Trata-se de um artigo cientificamente fundamentado, atualizado e de linguagem acessível, que conta ainda com o apoio de mais de 60 cientistas de diversas áreas e de outros nove laboratórios que endossam o documento.

Divulgado em formato pdf, teve mais de 500 visualizações no Research Gate (repositório de trabalhos científicos) em menos de 48 horas de ter se tornado público, além das centenas de visualizações e compartilhamentos nas redes sociais. Frente à divulgação de informações equivocadas e dados inconclusivos que sugerem que cães e gatos possam ser agentes transmissores da covid-19, as taxas de abandono e de eutanásia de animais saudáveis vêm aumentando ao redor do mundo.

Por isso, o artigo foi elaborado com o intuito de esclarecer a situação e fornecer informações que vão garantir o bem-estar de todos: cães, gatos e pessoas. O contato com cães e gatos traz uma série de benefícios para nós, físicos, fisiológicos e psicológicos.

Até o momento, todas as evidências mostram que o meio de transmissão do vírus que gerou e vem sustentando a pandemia acontece entre humanos, ou seja, de pessoa para pessoa. Cães e gatos não desenvolvem a covid-19. Cães e gatos não transmitem a covid-19 para pessoas.

Segue trecho extraído do documento original:

Cães, gatos e seres humanos coexistem há milhares de anos. Apesar das prováveis diferenças nos caminhos evolutivos que percorreram até se tornarem cães e gatos domésticos como os conhecemos hoje, o certo é que muito aconteceu durante a domesticação e que as pessoas e esses animais tiveram que se adaptar para tornar a convivência pacífica, harmoniosa, vantajosa, funcional e tão próxima.

Só no Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estimou em 2013 uma população de 52,2 milhões de cães (a segunda maior do mundo em termos de cães domiciliados) e 22,1 milhões de gatos – podemos supor que atualmente esse número é muito maior.

Dados surpreendentes foram apresentados nessa pesquisa: há mais animais de estimação nas casas dos brasileiros do que crianças! E alguns estudos vêm mostrando que a grande maioria dos tutores consideram esses animais membros da família. Agora, em 2020, essa relação parece estar sendo colocada em xeque. E o motivo disso? A pandemia da covid-19, doença causada pelo novo coronavírus  humano (Sars-CoV-2), que se alastrou pelo mundo inteiro.

Das evidências que existem até agora, o que pode ser concluído é que é preciso muito mais pesquisa para se entender o potencial que o Sars-CoV-2 possui de infectar animais não humanos. Até o momento, podemos afirmar que cães e gatos não são fontes de infecção para outros animais nem para seres humanos. Ou seja, não existe qualquer evidência científica de que cães e gatos possam contrair a covid-19 ou transmitir o novo coronavírus humano para pessoas. O que sabemos é que o vírus é transmitido de pessoas para pessoas.

O ideal é ficar em casa com seus animais de estimação. No entanto, se seu cão, por exemplo, precisa sair para urinar e/ou defecar, é necessário tomar alguns cuidados. Primeiramente, para as pessoas, os cuidados de higiene (lavagem das mãos com sabão e uso de álcool em gel) e de proteção normais (uso de máscara e manter distância de, pelo menos, um metro de outra pessoa), indicados pelos órgãos de saúde nacionais e internacionais.

O máximo de cautela é necessário, como evitar lugares com aglomeração de pessoas, assim como períodos de maior movimentação. Além disso, por mais que não possam ser infectados, os animais podem carregar o vírus nas patas, no pelo, na coleira, no focinho e na boca, se entrarem em contato com alguma superfície contaminada, assim como as pessoas podem carregar o vírus nos sapatos, nas mãos, na roupa, nos acessórios, no celular, na boca, nariz e olhos. Por isso, para os animais, uma medida importante é limpar principalmente as patas antes de entrar em casa: lavar com água e sabão ou sabonete neutro e secar bem depois para evitar que as patas fiquem úmidas. A coleira também deve ser lavada, de preferência com sabão e produtos bactericidas.

Consulte seu veterinário para saber o que é mais apropriado para o seu cão ou seu gato. Por último, se você sai para passear com seu animal de estimação, precisa ter em mente que poderá se aproximar e/ou ter contato com alguma outra pessoa, que pode estar infectada – essa sim será um agente de transmissão ativo da doença.

Durante esta pandemia, além dos cuidados de higiene e distanciamento físico-social, é preciso cuidar do sistema imunológico, manter-se ativo e cuidar da sua saúde mental. E você pode garantir tudo isso com seu animal de estimação! Brincar com seu cão e/ou seu gato pode ser uma ótima atividade, que não somente será benéfica para seu corpo, mas também produzirá hormônios que ajudarão na sensação de bem-estar. Ainda, a interação com seu animal de estimação é uma importante fonte de contato social. Por exemplo, acariciar seu cão e/ou seu gato, auxiliará na produção de hormônios como a ocitocina, que é conhecida como o hormônio do amor, e na redução do cortisol, um hormônio do estresse.  Ou seja, em tempos de incerteza e de crise, ter seu animal de estimação por perto, podendo você ficar em casa ou não, trará grandes benefícios para sua saúde física e mental.

O vínculo afetivo que criamos com nossos cães e gatos nos ajuda a manter nosso equilíbrio emocional nesse momento. Da mesma maneira, interagir positivamente com seu animal de estimação também ajuda na estabilidade emocional e saúde mental deles, reduzindo a ansiedade e estresse do seu cão e/ou gato juntamente com o seu.

Para gatos, é importante que a rotina continue sem muitas mudanças. Então, se você já brincava com seu gato nas manhãs e noites após voltar do trabalho, mantenha essa rotina. Durante a tarde, período naturalmente mais ocioso para eles, deixe-os descansarem e não os acorde. Brinquedos que estimulem a parte cognitiva e alimentar são muito interessantes: caixas com petiscos, comedouros lentos; juntamente com brincadeiras ativas feitas pelas(os) tutoras(es) e que estimulem a caça, como bolinhas de papel, varinhas com penas etc. Permitir arranhadura em locais adequados, escovação (se o gato gostar, claro), novas tocas de papelão e um local de descanso em sua mesa de trabalho são também aspectos importantes e que podem trazer mais bem-estar nessa época em que estamos muito em casa. Esses detalhes na relação podem assegurar o bem-estar dos nossos animais.

Para cães, ensinar alguns truques novos é uma ótima forma de estimulá-los mentalmente, gastar energia e ainda aprender a se comunicar melhor com eles. Mantenha os treinos curtos e recompense com petiscos, brincadeiras e atenção. Atividades envolvendo a parte alimentar, como brinquedos recheáveis ou “quebra-cabeças” com petiscos são muito interessantes, além de atividades que estimulem seus sentidos. Você pode, por exemplo, esconder alguns petiscos em panos, caixas ou ao redor da casa para seu cão farejar. Se vocês tinham um horário de passeio fixo, use esse momento para alguma dessas atividades ou brincadeiras!

Precisamos pensar nos nossos cães e gatos da mesma forma que pensaríamos nas pessoas da nossa família. Manter o bem-estar do seu animal de estimação também deve ser uma prioridade agora. É exatamente nas horas de crise que precisamos estar mais dispostos a cuidar daqueles que nos fazem tão bem.

Quando trazemos um animal para nossa casa e para nossa família, nos tornamos integralmente responsáveis por ele. Isso quer dizer que não somos somente responsáveis por garantir alimento e abrigo, mas, especialmente, que somos responsáveis por assegurar que tenham um bom bem-estar. Mesmo em tempos de dificuldade, você é responsável pela saúde física e mental do seu animal de estimação. Não se esqueça disso. E não se esqueça que abandono é crime, assim como eutanásia de animais saudáveis.

* Carine Savalli, Naila Fukimoto, Adriano Affonso Mariscal, Ana Paula Pupe, Ane Magi, Carolina Wood, Eliane Obata, Flavio Ayrosa Filho, Francisco Cabral, Juliana Werneck, Mariana Hess e Michaella Andrade, do Laboratório de Etologia Canina do Instituto de Psicologia da USP.


Fonte:  Jornal da USP
Imagem cão e gato:  pesquisa Google.



quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Pesquisadores identificam marcadores genéticos que caracterizam a infecção causada pelo vírus Chikungunya


O estudo foi feito por pesquisadores da USP e abre caminho para a busca de tratamentos para a doença.


Foto:  Marcos Santos
Um estudo recentemente publicado na revista PLOS Pathogens foi capaz de identificar a assinatura gênica da infecção causada pelo vírus Chikungunya, que é transmitida ao homem por picadas do mosquito Aedes aegypti. Isso significa que os cientistas encontraram o conjunto de genes cuja expressão é alterada pela interação com o vírus, ajudando a desvendar o mecanismo da doença. O estudo foi coordenado por Helder Nakaya, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), e teve colaboração do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB-USP), da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) e do Instituto Butantan, entre outros parceiros.

Pesquisadores do ICB-USP, coordenados pelo professor Paolo Zanotto, têm estudado o Chikungunya desde 2014, quando o vírus foi identificado pela primeira vez no Brasil – esse trabalho foi a terceira publicação do grupo sobre o tema. Os cientistas analisaram e compararam amostras de pacientes infectados pelo Chikungunya com amostras de pacientes saudáveis, de pacientes que tiveram dengue e de pacientes com artrite reumatoide.

Segundo o pesquisador Marielton dos Passos Cunha, do ICB-USP, o objetivo do estudo era encontrar um marcador característico da infecção, que a diferenciasse das outras condições semelhantes. “Foram utilizadas ferramentas moleculares e computacionais, como técnicas de análise de redes complexas e aprendizado de máquina”, explica. A comparação com dengue foi necessária porque as duas doenças são muito semelhantes: ambas provocam febre alta, dor no corpo e manchas na pele. No entanto, o sintoma causado pelo vírus Chikungunya que o diferencia de outros arbovírus, é a dor nas articulações (artralgia) – daí a importância de analisar amostras de pacientes com artrite reumatoide.

Com a assinatura gênica da doença, os pesquisadores mapearam o papel que esse conjunto de genes desempenha nas células e a sua importância no combate ao vírus. “O trabalho abre caminho para o desenvolvimento de fármacos para o Chikungunya, pois faz uma descrição da doença a nível molecular – ou seja, identifica o que é único daquela condição. A partir disso, é possível fazer uma busca mais aprofundada por tratamentos”, diz Cunha.

Nos próximos passos da pesquisa, os especialistas buscam entender como o vírus se espalhou e melhorar o seu diagnóstico sorológico, para que não se confunda com outras arboviroses, como os vírus Dengue e Zika. Esses trabalhos serão desenvolvidos no ICB e também na Plataforma Científica Pasteur-USP, inaugurada em julho deste ano. A plataforma é focada no estudo de patógenos para a prevenção de epidemias.

Histórico – A Chikungunya é uma doença que não possui vacina e o tratamento é feito apenas para amenizar os sintomas, que podem persistir por até 15 dias e, em casos raros, provocar a morte. Entre janeiro e agosto de 2019, foram registrados 110.627 casos prováveis da doença no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde. As regiões Norte e Nordeste são as mais afetadas.

Em 2014, o vírus foi identificado em dois locais distintos do país: no município de Oiapoque (Amapá) e em Feira de Santana (Bahia). O pesquisador Marielton dos Passos Cunha esclarece que o vírus é o mesmo, mas com dois genótipos diferentes co-circulando. Um deles veio de Angola, na África, e o outro da América Central. “Ele pode circular facilmente em qualquer cidade do país, porque todas as pessoas são suscetíveis e quase todas as cidades apresentam a circulação do seu principal vetor, o Aedes aegypti”.


terça-feira, 16 de julho de 2019

Estudo mostra que a infecção pelo vírus zika pode causar disfunção da bexiga



Já não há dúvidas, a Bexiga Neurogênica (BN) está entre as complicações relacionadas à Síndrome Congênita do Zika Vírus (SCZV), de acordo com os novos resultados da pesquisa realizada no Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz). Uma recente publicação se soma ao estudo publicado em março de 2018, que apresentou à comunidade científica internacional a BN como uma sequela da SCZV. 

Estes novos resultados, que focam no aspecto urodinâmico do problema, foram decorrência da continuidade e aprofundamento da pesquisa iniciada em 2016 pelo Ambulatório de Urodinâmica Pediátrica do IFF/Fiocruz. No artigo, intitulado Neurogenic bladder in the settings of congenital Zika syndrome: a confirmed and unknown condition for urologists, os autores chamam a atenção de especialistas sobre a importância de investigar esta nova causa de Bexiga Neurogênica, para prevenir a lesão renal. 

O artigo sobre esse novo estudo foi divulgado no veículo científico internacional Jornal of Pediatric Urology, e, para conhecer mais sobre a sua importância, a seguir a médica Lucia Monteiro esclarece os detalhes da pesquisa: 

O que é a Bexiga Neurogênica?
LM: É uma disfunção da bexiga causada por dano neurológico, que é diagnosticada através do estudo urodinâmico. Os sintomas mais comuns são a infecção urinária e a incontinência ou a retenção urinária, que nem sempre são percebidos em crianças pequenas. Mas o risco de complicações graves é alto (infecções recorrentes, entre outros, que podem inclusive chegar ao comprometimento dos rins). Por isso é importante estar atento porque o diagnóstico precoce e o início oportuno do tratamento podem mitigar o impacto da doença e promover, a longo prazo, a saúde do paciente. 

Como surgiu a pesquisa que relacionou a condição de BN com a Síndrome Congênita do Zika Vírus?
LM: Nós fomos os primeiros no mundo a descobrir que esses pacientes tinham bexiga neurogênica e isso só foi possível porque no IFF/Fiocruz já havia uma equipe multidisciplinar, coordenada pela Maria Elizabeth Lopes Moreira, que vinha investigando os pacientes com SCZV quando a síndrome era uma coisa nova. Quando nossa equipe, do Ambulatório de Urodinâmica Pediátrica viu as alterações neurológicas encontradas nas ressonâncias magnéticas realizadas para o controle da microcefalia destes pacientes, observamos que as áreas que controlam o sistema urinário inferior também estavam afetadas. E suspeitamos que esses pacientes poderiam desenvolver BN. Escrevemos o projeto para investigar as sequelas urológicas, e após aprovação pelo CEP/IFF, submetemos ao Edital N° 14/2016 do MCTIC/FNDCT-CNPq/MEC-CAPES/MS-Decit. Fomos selecionados e passamos a integrar as coortes nacionais para a prevenção e combate ao vírus zika. Na primeira fase da pesquisa, avaliamos 20 pacientes e todos (100%) tinham BN de alto risco. Temos uma vasta experiência, de mais de 25 anos tratando pacientes com esta disfunção miccional, e isso nos ajudou a concluir que todos os pacientes com SCZV poderiam estar afetados, e precisavam ser investigados.

Por que uma segunda pesquisa?
LM: Na verdade não é uma segunda pesquisa, e sim uma segunda publicação resultante da continuidade e aprofundamento da pesquisa iniciada em 2016. Embora a primeira publicação tenha sido muito importante por ser a primeira a confirmar BN como sequela da SCZV, a população de estudo ainda era pequena. O Brasil já tinha mais de três mil pacientes afetados, a maioria na região Nordeste, que precisavam também ser beneficiados. Nesta segunda publicação, triplicamos o número de pacientes investigados e continuamos encontrando bexiga neurogênica em todos (100%). Também aprofundamos as questões relacionadas às situações de risco para o sistema urinário e escrevemos o artigo buscando alertar os especialistas que continuava desconhecendo o problema.

Qual é a importância destes segundos resultados?
LM: Esses novos resultados acabaram de vez com as dúvidas e confirmaram que a bexiga neurogênica é realmente uma sequela da síndrome. Tanto que atualmente não consideramos mais a indicação da avaliação urodinâmica nestes pacientes como parte da pesquisa, mas sim como uma obrigação clínica, já que nossa experiência mostra que esse é um problema que tem tratamento, e que o diagnóstico e a intervenção precoce podem reduzir em até três vezes o risco destes pacientes desenvolverem lesão renal. Anteriormente, como não existia comprovação científica da relação entre a condição de BN e a SCZV, o estudo urodinâmico não fazia parte do protocolo de atendimento nessas crianças. 

Para um paciente sem tratamento, qual é o maior risco de ter uma infecção urinária? 
LM: É lesar o rim. Cada episodio de infecção urinária grave tem potencial para gerar uma cicatriz no rim, que ficará para sempre. Um rim continuamente agredido por infecções pode evoluir para insuficiência renal, e todos nós conhecemos os problemas sofridos por pacientes que necessitam de hemodiálise e transplante. Além disso, a BN pode gerar graves problemas sociais, relacionados à incontinência urinaria crônica e as visitas recorrentes ao hospital e internações para o tratamento de infecção urinaria, entre outros. E isso tudo pode ser evitado com realização do exame para comprovar o diagnostico e iniciar o tratamento.

Qual é a importância do exame urodinâmico em pacientes com SCZV?
LM: A urodinâmica é o único exame que diagnostica com certeza, por isso é o padrão ouro na bexiga neurogênica. Além disso, ajuda a orientar e a avaliar o tratamento e por isso, repetir o exame é muito importante. Como analisa o enchimento e o esvaziamento da bexiga, a urodinâmica é capaz de evidenciar situações de risco, como bexigas muito pequenas, com pressões muito elevadas ou que não se esvaziam completamente durante a micção, um problema constantemente observado em pacientes com SCZV e que causa infecção urinária. Com a segunda publicação nós mostramos isso. O ideal seria que estes pacientes fizessem o exame desde o primeiro mês de vida. Temos que lembrar que a BN é uma das sequelas que podem ser tratadas e normalizadas no âmbito da SCZV. Quanto mais cedo começamos a tratar, maior a probabilidade de melhorar a resposta do rim.

O que acontece agora?
LM: Já sabemos da obrigação de investigar o sistema urinário de todos os pacientes com alteração neurológica devido a SCZV, e de orientar estas famílias sobre a importância e as vantagens do tratamento urológico na evolução do paciente. Não é mais só o interesse de pesquisa, temos responsabilidades com estes pacientes e precisamos lutar para aumentar a adesão e evitar as faltas que vem impedindo o acompanhamento adequado. Estamos também revisando os dados referentes á evolução e resposta ao tratamento, para que possam ser compartilhados com as famílias e a comunidade científica, incluindo uma avaliação exaustiva de todos os episódios de infecção urinaria, com o apoio da médica do Ambulatório de Urodinâmica Pediátrica do IFF/Fiocruz, Glaura Cruz e da bolsista Julia Oliveira. No âmbito nacional, estamos ampliando cooperações e realizando capacitações para que as sequelas urológicas possam ser investigadas e tratadas, principalmente na região Nordeste que é a mais afetada, permitindo que mais crianças possam ser beneficiadas.  

O tempo está passando, as crianças ficando mais velhas e estamos perdendo a janela de oportunidade para reverter o processo de cronificação desta doença urológica. As evidências tem apontado para bexigas neurogênica de alto risco, com grande parte dos pacientes fazendo retenção urinaria e vários já tendo sido internados por infecção urinaria grave. Estamos tentando sensibilizar as famílias e os profissionais de saúde para a importância de realizar o exame, comparecer com regularidade as consultas e fazer o tratamento. 

Quais são as dificuldades atuais? 
LM: A falta de conhecimento de que a SCZV causa BN atrasa a investigação e o tratamento. Por isso a população e os profissionais devem ser sensibilizados para os riscos que a síndrome pode causar ao trato urinário, de maneira que tratamentos adequados sejam iniciados para evitar danos renais irreversíveis.  Meu incomodo é saber que existem muitas crianças ainda desassistidas. Até onde vai o meu conhecimento, além de nós, somente as crianças das coortes de Macaíba (RN) e de Campina Grande (PB) estão sendo investigadas e tratadas, e esses são os centros com os quais temos cooperação. Alguns outros profissionais estão começando a investigar, com base nas nossas publicações. Embora ainda não possamos afirmar se permanecerá assim por longo prazo, a maioria dos pacientes que já foram avaliados estão apresentando boa resposta ao tratamento. Atualmente, acreditamos que todas as crianças com SZCV têm potencial para desenvolver BN, e por isso todas precisam ter acesso ao exame urodinâmico para o devido diagnóstico e o correto tratamento. Mas ainda falta muito para isso se tornar realidade. 

Qual é o panorama atual no tratamento para BN em pacientes com SCVZ?
LM: Estamos evoluindo, mas um dos maiores problemas é o absenteísmo. Em geral, os pacientes faltam muito aos exames e às consultas. A criança com SCZV tem muitos problemas e muitas demandas. Como os sintomas urológicos são muito silenciosos, é muito comum que estes sejam negligenciados pelas famílias em privilégio de outros que são mais visíveis. Na Bexiga Neurogênica, o sintoma vai ser percebido lá na frente, quando as complicações aparecerem. Acredito que isso faça com que muitos pais marquem o exame e não compareçam. Existe também uma rejeição à realização do cateterismo, por medo e desconhecimento. Temos alguns pacientes cujos pais não aceitavam a realização do exame até o momento que a criança desenvolveu uma infecção urinária grave, consequência da doença. Uma das nossas metas atuais é reduzir o absenteísmo e para isso estamos contando com o apoio das especialistas do Ambulatório de Urodinâmica Pediátrica do IFF/Fiocruz, Grace Araújo e Jo Malacarne, e da bolsista Nathalia Lopes, para confirmação prévia de comparecimento às consultas e exames e com reforço do contato e acompanhamento com as mães. 

Fonte:  Fiocruz


segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Estudo demonstra que Método Wolbachia inibe transmissão do vírus da Febre Amarela


A presença da bactéria Wolbachia em Aedes aegypti tem a capacidade de reduzir a transmissão do vírus da Febre Amarela nesta espécie de mosquito. A descoberta é o tema de um artigo publicado pela Gates Open Research. A pesquisa que resultou no artigo, intitulado "Pluripotency of Wolbachia against Arbovirus: the case of yellow fever", foi supervisionada pelo pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e líder do World Mosquito Program (WMP) no Brasil, Luciano Moreira. O WMP é um programa internacional de combate à doenças transmitidas por mosquitos e, no Brasil é conduzido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).


O artigo é resultado do trabalho conjunto de pesquisadores de três instituições: Instituto René Rachou/ Fiocruz (IRR), Fundação Ezequiel Dias (FUNED) e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Clique aqui para acessar.


A transmissão urbana da doença por Aedes aegypti não é relatada no Brasil desde 1942. Entretanto, pesquisadores apontam que o risco de reurbanização da Febre Amarela existe, uma vez que o Aedes aegypti está presente na maioria das cidades de clima tropical e subtropical do mundo e foi o principal vetor no passado. Entre os anos de 2016 e 2018 o Brasil enfrentou alguns surtos de Febre Amarela, arbovirose transmitida pelos mosquitos silvestres dos gêneros Haemagogus e Sabethes. Houve mortalidade de até 30%.


Atualmente, além da Febre Amarela, o Método Wolbachia é eficiente na prevenção da transmissão das seguintes arboviroses: dengue, Zika, chikungunya e Febre Mayaro.


O estudo


Para realizar a pesquisa foram utilizados dois isolados de vírus da Febre Amarela (YFV), obtidos de humanos e de macacos, originários dos últimos surtos ocorridos no estado de Minas Gerais. Esses vírus foram multiplicados em cultura de células de insetos e adicionados à alimentação sanguínea ministrada a Aedes aegypti com e sem Wolbachia. Como as amostras de sangue usadas na alimentação poderiam conter anticorpos devido a, por exemplo, aplicação da vacina contra a doença, a amostra passou por um processo para assegurar a eliminação desses anticorpos antes de alimentar os mosquitos.

A infecção provocada pelos vírus nos mosquitos foi acompanhada nos tempos de 7, 14 e 21 dias após a alimentação sanguínea, a partir da análise da cabeça e do tórax dos insetos. Foi verificado que, em mosquitos com Wolbachia, a quantidade de YFV foi menor do que nos mosquitos que não possuíam o microorganismo em suas células.

Em outro ensaio, foi realizada a coleta de saliva em Aedes aegypti com e sem Wolbachia, alimentados com sangue contendo o vírus da Febre Amarela ( 7, 14 e 21 dias após a alimentação). Essa saliva foi injetada em mosquitos Aedes aegypti sem a bactéria Wolbachia. Após cinco dias, esses insetos foram analisados, revelando que nenhum dos mosquitos que receberam saliva oriunda de Aedes aegypti com Wolbachia se infectou com o vírus da Febre Amarela. Já entre os mosquitos que receberam a saliva de Aedes aegypti sem Wolbachia, houve infecção.

A saliva dos mosquitos também foi utilizada em um teste com camundongos. Os camundongos que receberam injeção da saliva extraída de Aedes aegypti com Wolbachia que receberam sangue contaminado com Febre Amarela não se infectaram. Já os grupos em que foi aplicada a injeção de saliva extraída de Aedes aegypti sem Wolbachia, houve a infecção.

"Os resultados indicam que, caso a Febre Amarela volte a ter transmissão urbana pelo Aedes aegypti, o Método Wolbachia pode ser uma estratégia complementar para prevenir a transmissão da doença, junto com o programa de vacinação", observou Luciano Moreira.

Na avaliação do médico Pedro Fernando da Costa Vasconcelos, diretor do Instituto Evandro Chagas, órgão vinculado à Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde (MS), existem condições para que o Aedes aegypti seja um vetor de Febre Amarela. "Existe possibilidade, pois há pessoas suscetíveis, vírus circulando em áreas periurbanas, como regiões de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro próximas a matas. Estudos demonstram que o Aedes aegypti e o Aedes albopictus têm a capacidade de se infectar com o vírus da Febre Amarela", explicou.

No Paraguai, em 2008, houve surtos da doença transmitida pelo Aedes aegypti, com registro de óbitos, na periferia da capital Assunção. Angola enfrentou uma epidemia de casos urbanos em 2016.


Entretanto, Vasconcelos considera improvável o reaparecimento da Febre Amarela urbana no Brasil. "O Aedes aegypti não é um excelente vetor para Febre Amarela e temos uma cobertura vacinal razoavelmente alta", observou o pesquisador. Outro aspecto relevante diz respeito ao vetor. "Estudos sugerem que o Aedes aegypti que circula atualmente, de origem asiática, é menos suscetível ao vírus da Febre Amarela do que o mosquito que circulava nos séculos XVII, XVIII e XIX, de origem africana, que ingressou  no Brasil com o tráfico de escravos", explicou Vasconcelos.



Sobre a doença

A Febre Amarela é uma doença infecciosa causada por um vírus do gênero Flavivirus, da família Flaviviridae. Provoca uma infecção febril aguda de curta duração (no máximo 10 dias), de gravidade variável e que pode levar à morte.

No ciclo silvestre da Febre Amarela, que é o que ocorre no Brasil, os primatas não humanos (macacos) são os principais hospedeiros e amplificadores do vírus. Os vetores são mosquitos dos gêneros Haemagogus e Sabethes, que possuem hábitos estritamente silvestres. Locais que têm matas e rios, nos quais o vírus, seus hospedeiros e vetores ocorrem naturalmente, são consideradas como áreas de risco.


A vacina antiamarílica é fabricada pelo Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz) e oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS). É recomendada para as pessoas a partir de 9 meses de idade, que residem ou que se deslocam para os municípios que compõem a área com recomendação de vacina - a lista está disponível no site do Ministério da Saúde.