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terça-feira, 1 de outubro de 2019

Nova doença é descoberta em Sergipe; sintomas são parecidos aos da leishmaniose, mas mais graves

Resistente ao tratamento, já são ao menos 150 casos da doença, com duas mortes. O causador é um parasita ainda sem nome, totalmente diferente da leishmânia


Por Luiza Caires


Microscopia mostra o novo parasita. Ele é semelhante ao gênero Leishmania, mas tem flagelo mais curto,
com estrutura não tão alongada – Foto: Alynne Karen Mendonça de Santana, pesquisadora da FMRP e coautora do artigo


Pesquisadores brasileiros descobriram uma doença cujos sintomas são semelhantes aos da leishmaniose, porém mais graves, e resistentes ao tratamento. Todos os 150 casos são de Aracaju (SE), com duas mortes. Análises genômicas apontam que o responsável é um parasita de uma nova espécie, ainda sem nome, não pertencente ao gênero Leishmania, que é o protozoário causador da leishmaniose e transmitido por mosquitos flebotomíneos (mosquito-palha). Ainda não se sabe nada sobre o ciclo de vida ou vetor do novo parasita, embora haja probabilidade de que também seja transmitido por algum inseto. O que já se sabe é que ele se assemelha – mas não é igual – à Crithidia fasciculata, que infecta apenas insetos. A nova espécie, porém, é capaz de infectar humanos e camundongos, como mostraram testes em laboratório.

A descoberta é parte de uma história que começou há vários anos, em outro trabalho que investigava pacientes diagnosticados com leishmaniose no hospital da Universidade Federal de Sergipe (UFS), para tentar entender a resistência genética à doença. Amostras de pacientes eram enviadas para análise na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP pelo professor João Santana Silva e sua equipe. Algumas delas não puderam ser analisadas com as ferramentas disponíveis para leishmânia, desafiando os pesquisadores a aprofundarem as investigações. “Cheguei a pensar que  pudesse ter sido cometido algum erro aqui no laboratório, alguma mistura, ou que estivéssemos trabalhando com primers [iniciadores de DNA, um dos recursos usados para fazer sua amplificação] de má qualidade, mas conferimos e refizemos tudo, e não era o caso. Mandamos para outro laboratório especializado no Rio de Janeiro, que também não conseguiu fechar o diagnóstico”, contou ao Jornal da USP.


O professor João Santana, coordenador do Laboratório de Imunoparasitologia
da FMRP e pesquisador principal do Cepid CRID. Ele e sua equipe atuavam em
outro estudo sobre resistência à leishmaniose quando alguns dados começaram
 a não bater e gerar questionamentos – Foto: Divulgação FMRP


Ao mesmo tempo, acostumado a lidar com a leishmaniose, com mais de 11 mil pacientes diagnosticados desde 1984, o médico Roque Pacheco de Almeida atendia alguns pacientes que considerava atípicos. Em outubro de 2010, ele recebeu um caso suspeito de leishmaniose visceral, forma mais severa da doença. O homem de 64 anos deu entrada no Hospital Universitário da UFS já em estado grave, o que é incomum. Além disso, os sintomas eram da doença (perda de peso, febre, anemia e aumento do fígado e baço), mas ele não respondeu aos tratamentos convencionais, tendo tido quatro recidivas que resultaram em reinternações. “Na última delas, ele também passou a apresentar lesões cutâneas que são típicas de outra forma da doença, a leishmaniose tegumentar”, lembra Almeida. O paciente acabou morrendo em 2011, em decorrência da doença e de complicações de uma cirurgia para retirada do baço. “Em mais de 30 anos trabalhando com leishmaniose, eu nunca havia visto nenhum caso parecido”, conta o professor da UFS.


Sandra Maruyama, atualmente pesquisadora da UFScar,
foi responsável pelas análises bioinformáticas do trabalho – Foto: Reprodução/Ufscar


Quando finalmente foi feito sequenciamento do genoma do parasita dessa e de outras amostras, além de análises de bioinformática, tudo indicava que os pesquisadores estavam lidando com um novo parasita. De lá para cá foram 150 casos – todos confirmados pelos cientistas – e duas mortes.

As primeiras análises acabam de ser relatadas em artigo na revista científica Emerging Infectious Diseases. Quando o trabalho foi submetido para publicação, há cerca de um ano, ainda não havia certeza se seria uma nova espécie – apenas que não era leishmânia, explica Sandra Maruyama, primeira autora do artigo e atualmente pesquisadora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Com a continuidade da pesquisa, porém, os cientistas têm mais segurança em dizer que se trata de um parasita nunca antes identificado – apesar de ainda restarem muitas perguntas por responder.


O médico e professor da UFS Roque Almeida,
que atendeu os primeiros casos identificados –
Foto: arquivo pessoal


“Os dados que estão no artigo abriram uma série de questões que, concomitantemente à submissão, fomos estudando. Hoje temos resultados, ainda não publicados, que nos fazem acreditar que seja sim um novo parasita, de uma nova espécie, e que seja sim uma nova doença, facilmente confundida com a leishmaniose”, disse Sandra Maruyama ao Jornal da USP.

De acordo com Roque Almeida, da USF, um novo parasita explicaria o porquê do aumento da letalidade de supostos casos de leishmaniose visceral no Brasil. E é preocupante, pois pode significar “que estamos diagnosticando casos de leishmaniose visceral, e cuidando dos pacientes com os tratamentos para leishmaniose visceral, quando, na verdade, se trata de uma nova doença, mais grave, e para a qual ainda não existe tratamento específico.”

Os cientistas esperam descrever a nova espécie e nomear a nova doença nos próximos meses. Mais estudos precisam ser feitos para determinar o ciclo de vida do parasita, seus hospedeiros e formas de transmissão. Tudo isso para investir tanto no controle da infecção quanto em tratamentos efetivos para ela.


Genômica: a ciência por trás da descoberta


Para chegar a esses resultados, os cientistas primeiro sequenciaram e depois compararam o genoma do parasita das amostras dos pacientes de Sergipe com o genoma que se tem de referência para espécies de leishmânia e de tripanossomatídeos. “Quando tentamos identificar o parasita pelos métodos tradicionais, comparando-o às espécies conhecidas, vimos que ele não se parecia com nenhuma delas”, diz João Santana, que também integra a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID), um Cepid-Fapesp.

“Ao sequenciar o genoma do novo parasita, soubemos que, de fato, não era leishmânia. Começamos a desconfiar que se tratava de uma espécie ainda não descrita pela ciência. Ele se revelou semelhante, mas não igual, a um outro parasita chamado Crithidia fasciculata“, explica Sandra Maruyama.


Crithidia – Foto: Guy Brugerolle / CC


Os gêneros Crithidia e Leishmania pertencem à mesma família, da qual também faz parte o Trypanosoma cruzi, causador da doença de Chagas. Até o momento, acredita-se que a Crithidia fasciculata infecte só insetos, não mamíferos. Já a nova espécie investigada por Sandra Maruyama e colegas pode infectar camundongos, além de humanos – como eles comprovaram ao cultivar em laboratório parasitas coletados nos tecidos daquele primeiro paciente. “Expusemos os camundongos aos parasitas isolados do paciente, tanto por via intravenosa quanto cutânea [na pele], e descobrimos que ambos infectavam o fígado dos animais”, conta ela. Os parasitas coletados da pele do paciente também causaram lesões na pele dos camundongos.

Após ter o genoma da nova espécie já sequenciado, foi feita outra análise de bioinformática. Assim foi possível fazer o diagnóstico molecular da infecção dos pacientes por esse parasita. “Isso não seria possível com as ferramentas que existem para diagnóstico molecular de leishmânia. Então tivemos necessidade de desenvolver a metodologia para o novo parasita. Não criamos nenhuma técnica nova, mas elaboramos um procedimento novo”, disse ao Jornal da USP.

“Em posse dos dados genômicos do novo parasita, que são os que estão no artigo publicado, foram feitos mais testes com PCR (Reação em Cadeia da Polimerase, da sigla em inglês)”. A PCR é uma reação enzimática muito aplicada em biologia molecular para amplificar em laboratório fragmentos de DNA. Basicamente, é usada para fazer várias cópias do pedaço de DNA que se está interessado em estudar. Primers, ou iniciadores, são usados dentro da reação enzimática para dar especificidade a uma região genômica. “Realizamos uma análise bioinformática (simulação computacional). 

Elegemos alguns trechos candidatos que pudessem ser específicos deste novo parasita, desenhamos alguns primers – marcadores moleculares – para regiões genômicas que fossem próprias deste parasita, e que não aparecessem no genoma de leishmânias, e testamos por PCR.”

“Também fizemos triagens com a PCR, usando os primers específicos que desenhamos, em uma gama de outras amostras clínicas que o professor Roque compartilhou conosco. Extraímos o DNA dos isolados clínicos e este DNA serviu como um molde para fazer a reação de PCR com essas regiões específicas da nova espécie”, detalhou a pesquisadora. “Daí conseguimos dizer qual parasita estava naquela amostra coletada do paciente. É o que chamamos de tipagem molecular, isto é, identificar uma espécie por métodos moleculares”.

A cientista, que tem apoio da Fapesp para realizar sua pesquisa, planeja em breve realizar a descrição da nova espécie, para poder finalmente nomear a doença.


Próximos passos


A Crithidia, espécie com que o parasita estudado mais se assemelha, infecta insetos, principalmente culicídeos (como o culex, o pernilongo doméstico) e anofelinos (como o anopheles, o mosquito-prego), que se alimentam de sangue. “Mas quando estes insetos picam o homem ou qualquer mamífero, a Crithidia não consegue sobreviver, pelo que até hoje se mostrou. Então a grande dúvida que o trabalho gera é: quem será que é o vetor desse novo parasita?”, diz Sandra Maruyama. Afinal, a leishmânia tem como vetor uma outra família de insetos, que são os flebotomíneos (como o mosquito-palha), muito diferentes dos insetos que a Crithidia parasita. “O primeiro indício que este parasita consegue sobreviver no homem é que conseguimos isolá-lo de pacientes, e o segundo é que ele infecta camundongos, como mostramos experimentalmente, nos órgãos – baço e fígado-, e na pele, como aconteceu com os pacientes – apesar dos sintomas em camundongos não se manifestarem como em humanos.”

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Perguntada se é possível que ele estivesse circulando entre outros animais e aquele tenha sido o primeiro caso detectado de infecção humana, a pesquisadora diz que sim. “Nós temos que investigar isso agora, fazer parcerias com grupos que tenham amostras de reservatórios silvestres, como algumas espécies de cães silvestres e de raposas. Temos esse método de diagnóstico molecular para identificar o novo parasita, diferenciando de leishmânia. O que precisamos agora é coletar amostras, ou trabalhar com grupos que tenham já estas amostras de sangue, como existem vários no Brasil” diz, ressaltando que é necessário fazer um rastreamento e começar a investigar até onde se estende a presença deste parasita. “A princípio detectamos o parasita nestas amostras de Sergipe, mas não sabemos o quanto isso está distribuído. E, ao mesmo tempo, temos que fazer parcerias com grupos que estudem insetos vetores de doenças, principalmente da leishmânia, e estes insetos hematófagos que a Crithidia parasita, já que ele é tão parecido com ela.”

Outra maneira de fazer isso, acrescenta, é experimentalmente, que é um dos planos do seu grupo para o ano que vem: “testar se os insetos de laboratório podem ser infectados por este parasita e têm a capacidade transmiti-lo, ao se alimentar de seu sangue, para um hospedeiro vertebrado, e este mamífero desenvolver a doença”. Trata-se de algo bem complexo, mas para o que existem técnicas experimentais. Além disso, é necessário que o procedimento seja feito em laboratórios com certificações específicas de biossegurança. “Nós não temos, então precisamos de colaboração com centros que já estejam autorizados, como um departamento do NIH [National Institutes of Health, nos EUA] , para onde pretendemos enviar uma pesquisadora no ano que vem”, planeja a cientista.

“Quanto aos pacientes, temos testado estas dezenas de amostras que recebemos em Sergipe, mas o ideal seria analisar muito mais casos que sejam inconclusivos. Precisamos de números para descartar totalmente que se trate de coinfecções (infecções por mais de um parasita ao mesmo tempo), e também receber amostras de várias outras regiões, até para não ter viés nas análises”, explica, deixando claro o rigor científico com que deve ser tratada uma nova descoberta. “Por ora, além de refinar a análise genômica desta espécie, estamos tentando infectar in vitro das células destas amostras positivas, o que será mais uma prova que o parasita realmente tem uma fase de vida no hospedeiro vertebrado e que pode vir a causar uma doença no homem.”

O artigo Non-Leishmania parasite in fatal visceral leishmaniasis–like disease pode ser acessado neste link.


Fonte:  Jornal da USP



quinta-feira, 25 de abril de 2019

Malária: região Amazônica concentra 99% dos casos no Brasil




Para promover um maior conhecimento sobre a malária e alertar para a necessidade de mais investimentos nas ações de prevenção e controle para erradicação da doença em todo o mundo, a Assembleia Mundial da Saúde estabeleceu, em 2007, o dia 25 de abril como o Dia Mundial de Luta contra a Malária. Este ano, o tema da campanha da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS) é Zero Malária começa comigo e visa retomar os avanços contínuos no combate a esta doença, paralisados após uma década por conta do decréscimo nos investimentos. O médico infectologista e pesquisador do Laboratório de Pesquisa Clínica em Doenças Febris Agudas (LapClin DFA) do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), André Siqueira, ressalta que é possível erradicar a doença no Brasil, mas que para isso é necessário pensar na integração das ações de controle promovidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e ampliar a relação entre os profissionais da ponta e a academia.

A malária continua sendo um grande desafio para o Brasil e para o mundo apesar do conhecimento acumulado sobre a doença. Segundo o médico infectologista, a fragilidade no combate ocorre especialmente nas áreas tropicais, onde os sistemas de saúde e as condições socioeconômicas mantêm a vulnerabilidade para a transmissão uma vez que as medidas de controle do vetor não são mantidas e adaptadas conforme as necessidades locais. “No Brasil, 99% dos casos autóctones (naturais da região ou do território) são registrados na Região Amazônica, principalmente por conta das condições demográficas, ambientais e sociais que são bastante favoráveis à manutenção do ciclo de transmissão”, explicou André.

“Aqui, onde predomina a malária vivax, o nosso maior desafio é a sustentabilidade das ações em um contexto de redução dos gastos em saúde. A malária acontece quase inteiramente na região Norte, onde os sistemas de saúde são menos resilientes para as mudanças. Uma situação a ser enfrentada também é a diminuição a redução dos esforços de contenção da transmissão quando há uma redução no número de casos, o que leva em pouco tempo ao ressurgimento da doença. Este relaxamento explica, em parte, o aumento da incidência observada em 2016 e 2017, após quase 10 anos de redução contínua”, destacou André.

Apesar das dificuldades, o pesquisador enfatiza que a eliminação da malária no Brasil é possível, mas que para atingi-la é necessário um plano de médio e longo prazo com estratégias que levem à sustentabilidade. Entre essas ações destaca a adaptação das medidas de controle dos vetores, com integração e fortalecimento do sistema de saúde local, principalmente na Atenção Primária, envolvendo também a academia com o serviço. “Isso requer tanto inovações técnicas quanto compromisso político para garantir os recursos humanos e financeiros necessários”, concluiu.

No que se refere ao estado do Rio de Janeiro, André Siqueira informou que os casos de malária diagnosticados são de viajantes ou de frequentadores de áreas silvestres da Mata Atlântica.


Malária

A malária é uma doença infecciosa febril aguda transmitida pela picada da fêmea do mosquito Anopheles, infectada por protozoários do gênero Plasmodium. No Brasil, três espécies estão associadas à doença em seres humanos: P. vivax, P. falciparum e P. malariae. Os sintomas podem incluir febre, vômitos e/ou dor de cabeça e aparecem de 10 a 15 dias após a picada do mosquito. A malária não é uma doença contagiosa, ou seja, uma pessoa doente não é capaz de transmitir a doença diretamente a outra pessoa.

Apesar de ser uma doença grave, a malária tem cura com o diagnóstico rápido e preciso e um tratamento adequado com antimaláricos. Entretanto, complicações podem ocorrer, principalmente quando casos provocados pelo P. falciparum não são tratados ou as pessoas infectadas possuem um sistema imunológico vulnerável, como ocorre em idosos, crianças ou grávidas. Essas complicações podem resultar no agravamento de doenças como anemia grave, insuficiência renal e hepática, icterícia, hipoglicemia, e, em casos mais raros, causar a malária cerebral, podendo o paciente chegar ao coma.


Fonte:  Fiocruz

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Identificado mais um barbeiro que pode transmitir doença de Chagas


Barbeiros da espécie “Rhodnius montenegrensis” infectados com “Trypanosoma cruzi” foram encontrados em Monte Negro, Rondônia


A descoberta é importante porque trata-se de uma nova espécie onde o T. cruzi foi encontrado e
ela apresenta potencial para transmissão da doença – Foto: Adriana Benatti Bilheiro


Pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP identificaram, pela primeira vez, o protozoário causador da doença de Chagas (Trypanosoma cruzi) em barbeiros da espécie Rhodnius montenegrensis, coletados na cidade de Monte Negro, em Rondônia. Os cientistas também encontraram barbeiros infectados com o Trypanosoma rangeli, que não causa a doença, mas que pode confundir o diagnóstico.

A descoberta gerou o artigo First Report of Natural Infection with Trypanosoma cruzi in Rhodnius montenegrensis (Hemiptera, Reduviidae, Triatominae) in Western Amazon, Brazil, publicado em julho na revista Vector-Borne and Zoonotic Diseases.

Estudos com a população moradora dos locais próximos onde os barbeiros foram encontrados indicam inexistência de transmissão da doença. Entretanto, apenas a presença do inseto perto dos domicílios já serve de alerta, pois representa um risco para a população. Segundo revisão sistemática publicada em 2014, estima-se que o número de casos de doença de Chagas no Brasil, atualmente, gire em torno de 4,6 milhões de pessoas.

O estudo foi realizado pela pesquisadora Adriana Benatti Bilheiro, da Universidade Federal de São João del-Rey, sob a orientação do professor Luís Marcelo Aranha Camargo, coordenador do ICB5, núcleo avançado da USP na cidade de Monte Negro que realiza pesquisas científicas e atividades de ensino, além de projetos da área da saúde com a comunidade local e da região.


Em Monte Negro, Rondônia, os barbeiros foram encontrados vivendo dentro de 
palmeiras, principalmente babaçu e bacuri, onde encontram abrigo, e se alimentam 
de sangue de ratos, aves, gambás e outros marsupiais – Foto: Adriana Benatti Bilheiro

A espécie Rhodnius montenegrensis foi descrita em 2012 pelo pesquisador João Aristeu da Rosa, docente do campus de Araraquara da Universidade Estadual Paulista (Unesp), a partir de uma pesquisa de campo de coleta de barbeiros coordenada por Aranha Camargo.
“Essa descoberta é bem importante porque é uma espécie nova onde encontramos o T. cruzi e ela apresenta potencial para transmissão. Só acreditamos que ainda não está havendo porque o ambiente da casa amazônica é inóspito para o barbeiro”, explica o coordenador do ICB5.


Estratégia pode resultar em tratamento mais eficiente para Chagas


Segundo Aranha Camargo, o perfil de infecção pelo T. cruzi mudou ao longo dos anos. Antes, os Estados do Nordeste, além de São Paulo e Minas Gerais, concentravam os casos de Chagas no Brasil, com transmissão da doença através da urina e fezes do barbeiro, que abriga os parasitas e que, por sua vez, penetram pela pele no local da picada. As casas de pau a pique (barro), muito comum nesses locais, eram o hábitat perfeito para o barbeiro: temperatura adequada e espaços nas paredes onde podiam se esconder e se reproduzir, saindo à noite para se alimentar de sangue humano.

“Nos últimos dez anos, a ocorrência de casos de doença de Chagas desviou do eixo Sudeste-Nordeste para a região Norte, onde temos entre 30% a 40% dos casos brasileiros, totalizando mil casos novos notificados somente na região nos últimos dez anos”, informa Aranha Camargo. Em Monte Negro, a maioria das casas é de tábua com cobertura de telhas de amianto, o que deixa o local muito quente e sem “esconderijos” para o barbeiro.


Contaminação alimentar

Atualmente a transmissão é muito menos por via vetorial, ou seja, pelas fezes e urina do barbeiro no local da picada, e muito mais por contaminação de alimentos. O barbeiro é atraído pela luz da casa e pode cair dentro do alimento e ser triturado ou esmagado. Nesse tipo de contaminação, a doença se manifesta de uma forma mais severa, mais virulenta, por causa da forma de apresentação do parasita para o sistema imune humano. “No Estado do Pará, devido ao hábito de consumo de açaí in natura, em que a polpa e as sementes precisam ser trituradas, a contaminação via oral é muito comum”, conta.


Descoberta molécula que age na inflamação cardíaca no mal de Chagas

Em Monte Negro, os barbeiros foram encontrados vivendo dentro de palmeiras, principalmente babaçu e bacuri, onde encontram abrigo, e se alimentam de sangue de ratos, aves, gambás e outros marsupiais. Futuramente, eles podem migrar para o peridomicílio humano e começar a se alimentar de cachorros, porcos e galinhas. No caso do babaçu, o desmatamento e as queimadas favorecem a sua proliferação.

Aranha Camargo conta que foram encontrados, em média, cerca de cinco barbeiros por palmeira. Quanto mais perto das casas, maior era a quantidade desses insetos. “Independentemente de se domiciliar ou não, ele ainda representa um risco de transmissão de T. cruzi pela via oral, pois pode contaminar os alimentos que estão sendo preparados”, alerta.


A doença de Chagas

A doença de Chagas tem duas fases. A aguda ocorre entre uma semana e 15 dias após a infecção e pode ser confundida com um doença febril, malária, dengue ou gripe. O local onde o parasita depositou as fezes e a urina fica inchado e avermelhado (chagoma). Nesta fase aguda, muitas pessoas podem morrer por meningoencefalite (um tipo de meningite) e miocardite (inflamação aguda do coração que pode causar parada cardíaca e arritmia cardíaca).

“Não se faz diagnóstico nesta fase”, lamenta Aranha Camargo. “Seria fácil fazer o diagnóstico assim como fazemos para a malária”, explica, lembrando que o ICB5, por ser uma unidade de pesquisa da USP, faz o diagnóstico para Chagas, porém o mesmo não ocorre rotineiramente no SUS.

Depois dessa primeira fase aguda, a doença entra em sua forma silenciosa. O parasita se reproduz nas células musculares cardíacas e do tubo digestivo. Ele se multiplica e forma outras “ninhadas” de tripanossomatídeos.

De modo geral, 30% dos infectados não apresentam sintomas e morrem com Chagas mas sem manifestação clínica da doença.

Outros 30%, aproximadamente, apresentam manifestações gastrointestinais. As mais clássicas são dificuldade de engolir, deglutir alimentos e eliminar fezes. Ao se desenvolver em células nervosas do tubo digestivo, o parasita as destrói, o que leva à perda da motilidade desse sistema (que empurra o bolo alimentar da boca ao ânus). O esôfago pode perder o movimento que empurra o alimento e muitas pessoas morrem de desnutrição. Outras têm a paralisação do sistema do tubo digestivo na parte terminal e não conseguem eliminar as fezes, ficando semanas sem evacuar. Nesses casos, pode ser necessário intervenção cirúrgica.


Na próxima fase, os pesquisadores pretendem ampliar o estudo e verificar
a ocorrência de barbeiros nos quatro biomas existentes em Rondônia
 – Foto: Adriana Benatti Bilheiro


Os outros cerca de 30% desenvolvem as formas cardíacas da doença. O parasita se multiplica no coração e vai destruindo as fibras do órgão, que deveria ser elástico, mas vai ficando fibrosado (cicatrizado) e perdendo a capacidade de contração. Dependendo do local onde o parasita se alojou, ele pode também interromper a condição de estímulos elétricos do sistema elétrico do órgão, dando origem a arritmias ou insuficiência cardíaca – ou ambas.

Em poucos casos, cerca de 10%, a doença se manifesta tanto na sua forma cardíaca como na digestiva.

O tratamento é feito com benzonidazol, distribuído pelo Sistema Único de Saúde (SUS) com certa regularidade. O medicamento é capaz de curar a doença de Chagas, pois mata o parasita e interrompe sua multiplicação.

Quanto mais precoce o tratamento, maiores as chances de cura sem evolução de gravidade da doença. O diagnóstico não costuma ser rápido. Em Monte Negro, por exemplo, o setor público está treinado para realizar testes de detecção de malária, mas não para o Trypanosoma cruzi.

“Minha sugestão é o governo qualificar os mesmos microscopistas que fazem diagnóstico de malária para que sejam treinados para identificar o T. cruzi”, sugere o docente.


Análise dos biomas

Na próxima fase, os pesquisadores pretendem ampliar o estudo e verificar a ocorrência de barbeiros nos quatro biomas existentes em Rondônia: cerrado, área entrópica (pastos onde há muito babaçu), floresta amazônica e floresta fluvial (beira de rio).

Segundo os pesquisadores, “no Estado de Rondônia, não há registro de casos autóctones de Chagas nos últimos anos. Entretanto, há registro de seis espécies de triatomíneos (barbeiros), uma grande variedade de reservatórios silvestres do T. cruzi e intenso processo de desmatamento que pode, ao longo do tempo, induzir à invasão e colonização de triatomíneos em áreas domiciliares e peridomiciliares”.


Foram encontrados, em média, cerca de cinco barbeiros por palmeira.
Quanto mais perto das casas, maior era a quantidade de insetos encontrada
 – Foto: Adriana Benatti Bilheiro


O ICB5 é um departamento do Instituto de Ciências Biomédicas da USP criado em 1997, na cidade de Monte Negro, em Rondônia. A princípio, o objetivo era pesquisar doenças tropicais negligenciadas como malária, Chagas, leishmaniose, verminoses e micoses profundas. Atualmente dedica-se também ao estudo e tratamento de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como hipertensão, diabete e dislipidemias (gordura no sangue). Além de desenvolver estudos nessas áreas e realizar atendimento em saúde para a população de Monte Negro e região, o ICB5 oferece um cenário de internato e um programa de estágios.



Fonte:  ICB/USP