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terça-feira, 10 de maio de 2022

Fiocruz e Lacen-GO detectam novo genótipo do vírus da dengue no Brasil

 

Pela primeira vez, o genótipo cosmopolita do sorotipo 2 do vírus da dengue foi detectado no Brasil. Presente na Ásia, Pacífico, Oriente Médio e África, a linhagem é a mais disseminada no mundo, mas nunca tinha sido encontrado no território brasileiro. A identificação foi realizada em fevereiro em uma amostra referente a um caso ocorrido no final de novembro em Aparecida de Goiânia, em Goiás. O achado representa o segundo registro oficial desse genótipo nas Américas, após um surto no Peru, em 2019.

A detecção, liderada pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) em parceria com o Laboratório Central de Saúde Pública de Goiás (Lacen-GO), foi comunicada imediatamente às secretarias municipal e estadual de Saúde e ao Ministério da Saúde. Para informação à comunidade científica, um artigo foi publicado na plataforma de pré-print medRxiv, que permite a divulgação rápida de resultados, antes do processo de revisão por pares. O trabalho também foi submetido para publicação em revista científica e atualmente se encontra em fase de revisão.


Nas Américas, linhagem cosmopolita do sorotipo 2 do vírus da dengue
foi detectada em Goiás,no Brasil, e em Madre de Dios, no Peru
(reprodução: Giovanetti e colaboradores)


O vírus da dengue possui quatro sorotipos, nomeados como 1, 2, 3 e 4, e cada sorotipo pode ser subdividido em diferentes genótipos (também chamados de linhagens), devido à presença de variações genéticas. O genótipo cosmopolita é uma das seis linhagens do sorotipo 2 do patógeno.

Para os pesquisadores, a chegada dessa cepa ao Brasil preocupa, porque existe a possibilidade de ela se disseminar de forma mais eficiente do que a linhagem asiático-americana, também conhecida como genótipo 3 do sorotipo 2, que atualmente circula no país.

“Ainda não sabemos como será a proliferação do genótipo cosmopolita no Brasil. Mundialmente, ele é muito mais distribuído e causa mais casos do que o genótipo asiático-americano, que circula no Brasil há anos. O quadro global indica que a linhagem cosmopolita tem capacidade de se espalhar facilmente”, afirma o coordenador da pesquisa, Luiz Carlos Júnior Alcantara, pesquisador do Laboratório de Flavivírus do IOC/Fiocruz.

A possibilidade de associação entre a linhagem cosmopolita e o aumento de casos de dengue no estado de Goiás em 2022 é, até o momento, descartada pelos cientistas com base no sequenciamento genético de amostras realizado no estado. Ao todo, cerca de 60 genomas foram decodificados pelos pesquisadores nas duas primeiras semanas de fevereiro. Estas amostras foram selecionadas de forma aleatória entre as amostras de casos de dengue confirmados pelo Lacen-GO nos meses anteriores. Aproximadamente metade pertencia ao sorotipo 1 e a outra metade ao sorotipo 2. Entre as amostras do sorotipo 2, apenas uma era do genótipo cosmopolita e todas as demais apresentavam o genótipo asiático-americano, atualmente circulante no Brasil.

“Os dados mostram que o surto de dengue em Goiás não é causado pelo genótipo cosmopolita”, declara Alcantara, acrescentando que a dengue tem comportamento cíclico no Brasil, que se relaciona com diversos fatores ligados ao vetor e ao vírus, assim como às condições climáticas e de vida da população.

Considerando a rápida identificação do genótipo cosmopolita, os pesquisadores avaliam que é possível agir para conter a sua disseminação. “A detecção precoce permite reforçar as medidas de controle. Esperamos que isso possa ajudar a limitar a propagação dessa linhagem no Brasil e nas Américas, onde já temos um cenário epidemiológico complexo, com múltiplos patógenos em circulação”, avalia a primeira autora do estudo, Marta Giovanetti, pós-doutoranda do Laboratório de Flavivírus do IOC/Fiocruz.

Entre as principais ações para conter a disseminação da dengue, está a eliminação de depósitos de água parada, que podem se tornar criadouros do mosquito Aedes aegypti, transmissor da doença. Conheça a estratégia 10 minutos contra o Aedes.


Vigilância genômica

Além das ações de combate à dengue, os pesquisadores enfatizam a importância de intensificar a vigilância genômica do agravo para mapear a possível circulação da linhagem cosmopolita e compreender melhor as rotas de introdução do vírus no país.

Análises iniciais realizadas pelos cientistas mostram que o patógeno detectado no Brasil é semelhante a dois microrganismos isolados durante o surto registrado na província de Madre de Dios, no Peru, em 2019. Porém, ainda não é possível dizer que o genótipo cosmopolita foi introduzido no Brasil a partir do Peru.

“Considerando os genomas disponíveis, vemos que os vírus do Peru e do Brasil têm relação com genomas oriundos de um surto registrado em Bangladesh. Tudo indica que a introdução nas Américas ocorreu a partir da Ásia, provavelmente através de viagens intercontinentais. Porém, para compreender a dinâmica da dispersão no continente americano precisamos ter mais amostras sequenciadas”, esclarece Marta.

“A província de Madre de Dios faz fronteira com o estado do Acre, no Brasil. A vigilância genômica ativa nessa região, com sequenciamento genético de amostras do dengue 2, seria importante para entender essa introdução e orientar as ações para conter o espalhamento viral”, acrescenta a cientista.

A identificação do genótipo cosmopolita do vírus da dengue foi realizada a partir de um projeto de vigilância genômica de arbovírus em tempo real, liderado pelo Laboratório de Flavivírus do IOC/Fiocruz. Na iniciativa, os pesquisadores se deslocam para os Laboratórios Centrais de Saúde Pública dos estados (Lacens) e realizam a decodificação de genomas com equipamentos portáteis para sequenciamento genético. Desde 2020, o trabalho contempla também a vigilância genômica do Sars-CoV-2, causador da Covid-19, recebendo o nome de VigECoV-2.

“Em geral, passamos uma semana em cada Lacen e, nesse período, conseguimos gerar mais de 250 genomas. Fazemos as análises em tempo real e apresentamos os resultados ao Lacen, à Secretaria estadual de Saúde e ao Ministério da Saúde. O objetivo é que esses dados possam servir de apoio para políticas públicas de saúde”, destaca Alcantara, lembrando que a equipe do projeto também oferece treinamentos para os profissionais dos laboratórios.

O projeto tem colaboração do Ministério da Saúde – através das coordenações Gerais das Arboviroses (CGArb) e de Laboratórios de Saúde Pública (CGLab) –, da Organização Pan-americana da Saúde (Opas), do Centro para Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) e dos  Institutos Nacionais de Saúde (NIH, na sigla em inglês), ambos dos Estados Unidos.


Fonte:  IOC/Fiocruz



sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Nota Técnica da Fiocruz esclarece sobre nova variante do Sars-CoV-2 no Amazonas

 


Pesquisa realizada no Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD / Fiocruz Amazônia) e coordenada pelo pesquisador Felipe Naveca, confirmou a identificação da origem da nova variante da linhagem Sars-CoV-2 B.1.1.28 no Amazonas, designada provisoriamente de B.1.1.28 (K417N / E484K / N501Y). O estudo sugere que as cepas, detectadas em viajantes japoneses que tinham passado pela região amazônica, evoluíram de uma linhagem viral no Brasil, que circula no Amazonas.

Os achados apontam ainda que a mutação detectada na variante B.1.1.28 (K417N / E484K / N501Y) é um fenômeno recente, provavelmente ocorrido entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021. De acordo com a nota, o surgimento de novas variantes do Sars-CoV-2 que abrigam um número maior de mutações em proteína chamada Spike tem trazido preocupação em todo o mundo, sobretudo, após a recente identificação de duas cepas, uma no Reino Unido e outra na África do Sul. No Brasil, a epidemia de Sars-Cov-2 ocorreu a partir de duas linhagens, denominadas B.1.1.28 e B.1.1.33, que, provavelmente, surgiram no país em fevereiro de 2020.  

O pesquisador informa que, em parceria com a Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS/AM) e o com o Laboratório Central de Saúde Pública do Amazonas (Lacen-AM), está conduzindo um levantamento genômico de indivíduos recentemente infectados com Sars-CoV-2 no Amazonas, com o objetivo de detectar a circulação dessa linhagem no Estado. "Nossa análise preliminar também confirma que as linhagens brasileiras emergentes B.1.1.28 (E484k) e B.1.1.28 (K417N / E484k / N501Y) surgiram independentemente durante a diversificação da linhagem B.1.1.28 no Brasil. O surgimento simultâneo de diferentes linhagens B1.1 virais que carregam mutações K417N / E484K / N501Y no domínio de ligação do receptor da proteína Spike em diferentes países ao redor do mundo durante a segunda metade de 2020 sugere mudanças seletivas convergentes na evolução de Sars-CoV-2 devido a similar pressão evolutiva durante o processo de infecção de milhões de pessoas", destaca a Nota. Segundo Naveca, se essas mutações conferem alguma vantagem seletiva para a transmissibilidade viral, devemos esperar um aumento da frequência dessas linhagens virais no Brasil e no mundo nos próximos meses.

Leia nota técnica na íntegra.


Fonte:  Fiocruz

Imagem:  Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD / Fiocruz Amazônia)

terça-feira, 21 de julho de 2020

Droga experimental diminui a replicação do zika e previne microcefalia em camundongos


Composto inibe a ação de uma proteína que é ativada pelo vírus para suprimir a resposta imune
do hospedeiro. Terapia também se mostrou eficaz contra o vírus da dengue e será testada no
Instituto de Ciências Biomédicas da USP contra o novo coronavírus (micrografia eletrônica
de transmissão colorida do vírus zika; imagem: Cynthia Goldsmith/CDC)


Um grupo internacional de pesquisadores descobriu que a inibição de uma proteína chamada AhR (receptor para aril hidrocarboneto) permite ao sistema imune combater com muito mais eficácia a replicação do vírus zika no organismo. Em experimentos feitos no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), a terapia antiviral se mostrou capaz de prevenir o desenvolvimento de microcefalia e outras malformações em fetos de camundongos cujas mães foram infectadas durante a gestação.

Os resultados da pesquisa, apoiada pela FAPESP, foram divulgados hoje na revista Nature Neuroscience.

“Usamos nos testes uma droga experimental capaz de inibir a AhR e observamos diminuição na replicação tanto do zika como do vírus da dengue. Agora pretendemos testar o efeito da terapia contra o novo coronavírus”, conta o professor do ICB-USP Jean Pierre Peron, que coordenou a investigação ao lado dos pesquisadores Cybele Garcia (Universidad de Buenos Aires, Argentina) e Francisco Quintana (Harvard Medical School, Estados Unidos).

O modelo experimental usado no trabalho foi o mesmo que permitiu ao grupo de Peron comprovar, em 2016, a relação causal entre o zika e a microcefalia (leia mais em agencia.fapesp.br/23185/). Naquela ocasião, fêmeas de camundongo da linhagem SJL – bem mais suscetível à infecção do que outras normalmente usadas em laboratório – foram infectadas com o vírus entre o 10º e o 12º dia de gestação. Quando os filhotes nasceram, os pesquisadores notaram uma redução significativa na espessura do córtex cerebral, além de alterações na quantidade e na morfologia das células neuronais. Observaram ainda que o vírus estava se replicando na placenta e no cérebro dos roedores recém-nascidos em quantidades muito maiores do que em outros órgãos.

“Repetimos agora esse experimento, mas com uma diferença. Pouco antes de infectar as fêmeas prenhas com o zika nós começamos a administrar o inibidor de AhR. O tratamento foi feito por via oral até o fim da gestação. Ao nascerem, os filhotes apresentaram cérebros com tamanho e peso normais e uma carga viral muito mais baixa que a do grupo não tratado, quase indetectável, tanto na placenta como no sistema nervoso central. Além disso, análises histopatológicas mostraram que não houve redução na espessura do córtex e que o número de células nervosas mortas pelo vírus foi muito menor”, relata Peron.

Segundo o pesquisador, os camundongos tratados com o inibidor de AhR não apresentaram efeitos adversos. Antes de se pensar em testes com humanos, porém, ele considera necessário replicar o experimento em macacos.

A pesquisa levou quatro anos para ser concluída e contou com a participação das doutorandas do ICB-USP Nagela Zanluqui e Carolina Polonio, ambas bolsistas da FAPESP.

O início
O laboratório coordenado por Quintana em Harvard é um dos principais centros mundiais de estudo da proteína AhR. Em entrevista à Agência FAPESP, o professor de neurologia conta que seu grupo descobriu há alguns anos que proteínas do tipo interferon, secretadas por células do sistema imune, controlam a ativação desse receptor celular.

“Como os interferons são moléculas centrais na resposta imune antiviral, postulamos – em conjunto com o grupo de Garcia – que a AhR poderia estar envolvida na supressão da imunidade contra vírus. Projetamos terapias anti-AhR e geramos nanopartículas e inibidores para uso nos experimentos”, diz.

Testes feitos in vitro e in vivo confirmaram que o vírus ativa a proteína AhR para suprimir a resposta imune do hospedeiro. Tal feito possivelmente ocorre quando o patógeno infecta o fígado e induz a liberação do metabólito quinurenina, um subproduto do aminoácido triptofano.

“Esse metabólito ativa a AhR que, por sua vez, inibe a expressão de uma outra proteína chamada PML [proteína leucemia promielocítica, muito importante para a resposta imune antiviral], permitindo que o zika se replique mais livremente nas células”, explica Peron.

Na Universidad de Buenos Aires, Garcia coordenou experimentos em diversos tipos de linhagens celulares, entre elas hepatócitos e progenitoras neurais – um tipo de célula-tronco que pode se diferenciar em neurônios.

“Tratamos as linhagens celulares com compostos agonistas de AhR [que amplificam a ação da proteína] e também com antagonistas [que inibem]. Confirmamos assim que a modulação negativa desse receptor inibe a replicação do zika. Do mesmo modo, comprovamos que a modulação positiva aumenta a replicação viral nas células”, conta.

Fatores ambientais
Como ressalta a virologista da Universidad de Buenos Aires, o impacto causado pela epidemia de zika em 2015 foi bastante assimétrico. Em determinadas regiões e cidades, a incidência de síndrome congênita e microcefalia causada pelo vírus foi muito maior do que em outras. Na avaliação da pesquisadora, isso pode indicar que nesses locais afetados com mais gravidade existia uma condição ambiental que favorecia a infecção ou então que aquelas populações eram mais suscetíveis. Os dois fatores também podem ter contribuído simultaneamente para aumentar o impacto do vírus.

“Coincidentemente, a AhR pode ser ativada por poluentes ambientais, bem como por uma certa dieta ou pela microbiota endógena. Nosso próximo desafio é descartar ou confirmar se existe uma relação entre a AhR, ambientes poluídos ou degradados socioeconomicamente e uma maior virulência do zika”, conta Garcia à Agência FAPESP.

O artigo AhR is a Zika virus host factor and a candidate target for antiviral therapy pode ser lido em www.nature.com/articles/s41593-020-0664-0.

21 de julho de 2020 - Karina Toledo | Agência FAPESP 

Fonte:  Agência FAPESP 

quinta-feira, 2 de julho de 2020

Plataforma online da Prefeitura de Niterói permite acompanhar mapeamento do coronavírus em rede de esgoto da cidade


30/06/2020 - Com o objetivo de acompanhar o comportamento da disseminação do coronavírus ao longo da pandemia, a Prefeitura de Niterói firmou uma parceria com pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para identificar a presença de material genético do novo coronavírus (SARS-CoV-2) em amostras do sistema de esgotos da cidade. O projeto inovador começou em abril na cidade e, a partir de agora, a população pode acompanhar os resultados através de um painel na internet, lançado pelo Município nesta terça-feira (30). A plataforma pode ser acessada pelo link https://arcg.is/0HXfXX.

A Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Modernização da Gestão (Seplag), por meio do Sistema de Gestão da Geoinformação (SIGeo), foi responsável pela elaboração do painel. A equipe do SIGeo explica que o usuário pode conhecer o diagnóstico atual das amostras coletadas em relação à presença do vírus detectada nas diferentes regiões do município.

Atualmente, a média de amostras positivas para o novo coronavírus é de 85%. Este índice se refere às dez semanas de coletas no período de 15 de abril, quando o trabalho foi iniciado, até 16 de junho. Vale ressaltar que as coletas são realizadas semanalmente por equipes da concessionária Águas de Niterói.

De acordo com o secretário municipal de Meio Ambiente de Niterói, Eurico Toledo, a pesquisa tem duração prevista de 12 meses. Ele destaca a importância desta parceria nas ações de combate ao avanço do novo coronavírus na cidade.

“Com a tecnologia de ponta desenvolvida pela Fiocruz, e com o nosso apoio, essa metodologia permitiu que a cidade intensificasse as políticas públicas de combate ao coronavírus com um direcionamento ainda mais focado e que é apontado como exemplo no País. Este é um projeto pioneiro, temos feito todo o esforço de caminhar junto à ciência. Essa parceria é mais um bom exemplo disso, a conexão da ciência e do poder público, com a ciência norteando as ações de políticas públicas para o enfrentamento da Covid-19”, afirma Eurico Toledo.

A subsecretária de Projetos Especiais da Seplag, Valéria Braga, ressalta que é importante a população estar ciente que a concentração do vírus no esgoto não significa contaminação a partir dele, é somente uma ferramenta de monitoramento bastante eficiente que ajuda ao poder público na tomada de decisões.

“Este tipo de vigilância que está sendo feito pela Fiocruz em parceria com a Prefeitura apenas é possível nos municípios em que uma parcela significativa da população é atendida por rede coletora de esgoto e a operadora do serviço tem controle sobre o sistema. No caso de Niterói, a cobertura da rede de esgoto é de 95%. Esta é uma importante parceria entre a ciência e as políticas públicas que está ajudando a salvar vidas”, destaca Valéria Braga.

29 pontos pesquisados - Já foram coletadas amostras de esgoto bruto em 29 pontos georreferenciados e estrategicamente distribuídos pela cidade de Niterói, incluindo quatro Estações de Tratamento de Esgotos (ETEs), dois pontos de descarte de efluente hospitalar e rede coletora de esgotos nos bairros de Icaraí, Jurujuba, Itaipu, Engenhoca, Ititioca, Barreto, Várzea das Moças e Rio do Ouro. Também foram coletadas amostras de pontos das comunidades do Palácio, Cavalão, Preventório, Vila Ipiranga, Caramujo, Maceió, Cascarejo, Morro do Estado e Boa Esperança.

Os dados da pesquisa, de acordo com a subsecretária de Saúde de Niterói, Camilla Franco, são complementares para análise do quadro epidemiológico do município. Ela afirma que a pesquisa tem possibilitado um outro olhar para análise da transmissão e compreensão de como o vírus está circulando.

“Os pontos de coleta foram eleitos também priorizando lugares de maior vulnerabilidade, como as comunidades. Desta forma, há possibilidade de indicar se há vírus presente e o quanto ele está presente entre uma coleta e outra. Assim identificamos regiões com casos, o que possibilita ação pontual da atenção básica no território”, frisa a subsecretária.

O monitoramento ambiental realizado pela Fiocruz, que desenvolve atividades de pesquisa na área de Virologia Ambiental há mais de 15 anos, está alinhado com estudos científicos internacionais, que têm demonstrado a importância da vigilância baseada em esgotos para a detecção precoce de novos casos de Covid-19.

A pesquisadora Marize Pereira Miagostovich, chefe do Laboratório de Virologia Comparada e Ambiental do IOC/Fiocruz e responsável pela pesquisa, explica que desde as análises da primeira rodada de coletas, ainda em abril, cujos resultados foram positivos em cinco das 12 amostras, já era possível imaginar que este projeto evidenciaria a eficácia da metodologia no monitoramento da disseminação do vírus.

“Ao longo dos meses foi demonstrado um aumento de detecção do genoma do novo coronavírus, atingindo 97% de detecção nas amostras coletadas nas três primeiras semanas de junho, por exemplo”, pontua Marize Pereira Miagostovich.



segunda-feira, 29 de junho de 2020

Estudos da UFF e da Fiocruz ajudarão Niterói na batalha contra o coronavírus.




Em parceria com a Fundação Municipal de Saúde de Niterói (FMS), a UFF - Universidade Federal Fluminense e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) estão realizando um estudo dos primeiros casos e contatos de coronavírus no município, com objetivo de aprimorar ações e intervenções de prevenção e controle da pandemia. Com dados de março a abril de 2020, a pesquisa revelará como a doença atingiu Niterói, estimará a proporção de pessoas infectadas e assintomáticas e realizará projeções tanto do número total de pessoas infectadas pelo novo coronavírus, como de óbitos no município. Os contatos são realizados por telefonema com aqueles que testaram positivo no perímetro temporal da pesquisa e também seus contatos próximos, como familiares e amigos. Nesta parceria com a UFF, a Fundação Municipal de Saúde se dispôs a realizar essas testagens nos domicílios. Os dados serão utilizados para formar curvas epidemiológicas ajustadas para casos confirmados, número de casos não reportados, e número total de pessoas infectadas; além de estimativas oportunas da gravidade e transmissibilidade da doença.

As evidências científicas disponíveis ajudarão Niterói na tomada de decisões contra o coronavírus.


quinta-feira, 25 de junho de 2020

Estudo identifica circulação de nova linhagem da zika no Brasil

A fêmea do Aedes aegypti é vetor de transmissão
da tríplice epidemia (dengue, chikungunya e zika)

Mesmo em meio a uma pandemia que tem afetado o cotidiano de todos, a população brasileira ainda convive com as consequências da última emergência nacional de saúde pública: a da zika, que desde 2015 levou ao nascimento de 3.534 bebês com Síndrome Congênita da Zika (SCZ). Uma nova linhagem do vírus da zika foi descoberta circulando recentemente no Brasil por pesquisadores do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs) da Fiocruz Bahia e a possibilidade de reemergência da epidemia de arbovirose ganhou mais força. O achado foi publicado no início de junho no periódico International Journal of Infectious Diseases e serve como alerta para a vigilância da doença. A ferramenta desenvolvida pelos pesquisadores pode ser acessada aqui. E o estudo está aqui.

De acordo com o último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, das principais arboviroses que circulam no Brasil, a zika tem sido a com menor número de casos em 2020: foram notificados 3.692 casos prováveis (taxa de incidência 1,8 casos por 100 mil habitantes), em detrimento de 47.105 casos prováveis de chikungunya (taxa de incidência de 22,4 casos por 100 mil habitantes) e 823.738 casos prováveis (taxa de incidência de 392,0 casos por 100 mil habitantes) de dengue. Mas essa situação pode mudar caso uma nova linhagem genética comece circular na população.

Ferramenta
A introdução de uma nova linhagem no país foi identificada por uma ferramenta de monitoramento genético desenvolvida por pesquisadores vinculados ao Cidacs e ao Instituto Gonçalo Moniz (Fiocruz Bahia); Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC); Universidade Salvador (Unifacs) e a Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP). O pesquisador da Plataforma de Bioinformática do Cidacs, Artur Queiroz, um dos líderes do estudo, explica que a ferramenta desenvolvida pelo grupo analisa sequências disponíveis em banco de dados públicos e permite identificar as linhagens de Zika presentes em bases de dados do National Center for Biotechnology Information (NCBI – Centro Nacional de Informação Biotecnológica, em tradução livre).

“Pegamos esses dados e analisamos, selecionamos as sequências do brasil e mostramos a frequência desses tipos virais ano a ano. O principal achado é que vemos uma variação de subtipos e linhagens durante os anos, sendo que em 2019 há o aparecimento, mesmo que pequeno, de uma linhagem que até então não era descrita circulando no país”, explica.

Identificação
São conhecidas duas linhagens do vírus zika: a asiática e a africana (sendo que essa é subdividida em oriental e ocidental). A ferramenta analisou 248 sequências brasileiras submetidas a base de dados desde 2015. Até 2018, os dados genéticos encontrados eram majoritariamente cambojanos (mais de 90%), proporção que mudou radicalmente em 2019, quando o subtipo oriundo da micronésia passou a ser responsável por 89,2% das sequências submetidas ao banco genético.

Mas o que surpreendeu os pesquisadores foi a identificação da emergência do tipo africano, até então inexistente no Brasil. “A linhagem africana foi isolada em duas regiões diferentes do Brasil: no Sul, vindo do Rio Grande do Sul, e no Sudeste, do Rio de Janeiro”, informa o estudo.

A distância geográfica e a diferença de hospedeiros (uma foi encontrada em um mosquito “primo” do Aedes aegypt, o Aedes albopictus, e outro em uma espécie de macaco) sugerem que essa linhagem já está circulando no país há algum tempo e pode ter potencial epidêmico, uma vez que a maior parte da população não tem anticorpos para essa nova linhagem do vírus. Para Queiroz, o achado demonstra a utilidade da ferramenta como “um bom mecanismo de vigilância e alerta para a possibilidade de uma nova epidemia do vírus zika”.

“Atualmente, com as atenções voltadas para a Covid-19, este estudo serve de alerta para não esquecermos outras doenças, em especial zika. A circulação do vírus no país, bem como a realização de estudos genéticos devem continuar sendo realizados a fim de evitar um novo surto da doença com o novo genótipo circulante”, reforça Larissa Catharina Costa, uma das autoras do estudo.

Por Raiza Tourinho (Fiocruz Bahia)

Fonte:  Fiocruz

quarta-feira, 20 de maio de 2020

Pesquisador fala sobre testes nas diversas fases da pandemia



A corrida pelo desenvolvimento da vacina ou de um tratamento adequado para o combate ao novo coronavírus são a esperança para enfrentamento da Covid-19, doença que em poucos meses ceifou milhares de vidas e modificou a rotina de populações de diversos países, levando também a impactos econômicos. Enquanto não é possível encontrar soluções a curto prazo, a discussão sobre testes para detectar indivíduos infectados tem ganhado destaque no cenário de pandemia do novo coronavírus.

O pesquisador da Fiocruz Bahia, Manoel Barral Netto, explica que para entender a importância dos testes é necessário pensar sobre alguns aspectos: o que são esses testes, quais as suas potencialidades e limitações e quando utilizá-los como instrumento para tomada de decisão.

De acordo com Barral, o teste em si não resolve a situação da pandemia, mas fornece informações que irão modificar as ações de saúde coletiva. A relevância dos testes está não só em detectar quem está doente, mas em ter controle dos contatos desses pacientes, evitando que pessoas potencialmente contaminadas continuem circulando pela cidade, impedindo que o vírus se espalhe com mais facilidade.

Segundo o pesquisador Manoel Barral, os testes rápidos sorológicos têm apresentado baixa sensibilidade e especificidade e, por isso, pode ocorrer um número alto de resultados falso positivos ou falso negativos. Como o vírus permanece nas vias respiratórias, podendo ser transmitido para outras pessoas por algum tempo, algumas vezes antecedendo até o surgimento dos sintomas, também é importante detectá-lo o quanto antes. “Há um problema maior, que é quando o indivíduo permanece assintomático e transmitindo. Por isso, a estratégia de se fazer muito mais testes do que se costuma fazer em situações como essa”, pontua Manoel Barral.

Na Bahia, o cenário em relação à testagem é parecido com o que ocorre no Brasil inteiro; abaixo do necessário. Pela complexidade da coleta e do processamento da amostra, exigindo maquinário especialidade e reagentes que estão sendo requisitados pelo mundo inteiro dos fabricantes, ainda não é possível realizar a testagem em larga escala na população, como seria o ideal. 

Dos dois tipos de testes utilizados atualmente, um detecta o vírus no indivíduo infectado e o outro detecta anticorpos contra o vírus em quem já teve a infecção. “Esses testes são de suma importância em todas a fases da pandemia, para criar uma estratégia de liberação dos indivíduos para o retorno de suas atividades gradativamente”, observa o imunologista.


Tipos de testes

O teste mais utilizado no Brasil é o molecular, chamado de Transcrição Reversa seguida de Reação em Cadeia da Polimerase (RT-PCR), que identifica o RNA do vírus através do swab nasofaríngeo, com a coleta de amostra na mucosa na cavidade nasal do paciente. 

Essa técnica detecta o vírus quando o indivíduo está doente, mesmo sendo assintomático. Não é um teste fácil de ser feito, pois a manobra do swab exige profissionais treinados e um cuidado maior com o material coletado por ser altamente contaminável, colocando em risco quem realiza o exame. Esse teste, além de sensível, é muito específico, portanto confiável.

A outra técnica disponível é a sorológica, que detecta a presença de anticorpos para coronavírus na amostra de sangue, indicando que a pessoa foi infectada com o vírus em algum momento passado. Manoel Barral observa que a principal função desse tipo de teste é mostrar como está a exposição da população ao vírus.

O teste rápido para detecção de anticorpos foi recentemente liberado para ser realizado em farmácias. O pesquisador alerta que esses testes podem criar uma falsa sensação de proteção no indivíduo, visto que ainda não está comprovado que pessoas que foram expostas ao novo coronavírus estão realmente protegidas contra uma nova infecção. “E caso haja a imunização de fato, ainda não sabemos por quanto tempo esses indivíduos estão protegidos, porque os primeiros casos de Covid-19 são recentes”, acrescenta.

Além disso, segundo o pesquisador, o ideal é que esses testes sorológicos tenham sensibilidade acima de 90% e especificidade próxima a 98%, mas, por enquanto, eles têm apresentado respostas abaixo do esperado e por isso não são muito confiáveis, pois pode ocorrer um número alto de resultados falso positivos ou falso negativos.


Futuro com Covid-19

Após a primeira onda da pandemia da Covid-19, o esperado é que boa parte da população não tenha sido exposta ao vírus e, portanto, não esteja imune. Como o coronavírus ainda estará circulando, o risco de uma segunda onda do surto é uma realidade. “Nós temos que tomar muito cuidado após a primeira onda de contaminação, ter uma vigilância muito ativa para detectar novos casos e fazer os trabalho de isolamento de pessoas doentes e seus contatos”, explica Barral.

Por isso, a realização de testes e comportamento cauteloso das pessoas continuarão a ser importantes mesmo após a primeira onda. “É necessário ficar claro, para todos nós, que a nossa vida vai mudar por um tempo. A gente não vai voltar à vida normal de uma hora para outra, vai ter que continuar circulando com máscara, usando muito álcool gel e lavando as mãos de forma muito intensiva”, afirma o pesquisador.


20/05/2020

terça-feira, 12 de maio de 2020

Novo coronavírus circulou sem detecção na Europa e Américas


Uma pesquisa liderada pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) aponta que a circulação do novo coronavírus (Sars-CoV-2) foi iniciada até quatro semanas antes dos primeiros casos serem registrados em países da Europa e das Américas. O estudo, que utiliza uma metodologia estatística de inferência a partir dos registros de óbitos, indica que, enquanto os países monitoravam os viajantes e confirmavam os primeiros casos importados da Covid-19, a transmissão comunitária da doença já estava em curso. 

Segundo o trabalho, publicado na revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, o novo coronavírus começou a se espalhar no Brasil por volta da primeira semana de fevereiro. Ou seja, mais de 20 dias antes do primeiro caso ser diagnosticado em um viajante que retornou da Itália para São Paulo, em 26 de fevereiro, e quase 40 dias antes das primeiras confirmações oficiais de transmissão comunitária, em 13 de março. Na Europa, a circulação da doença começou aproximadamente em meados de janeiro na Itália e entre final de janeiro e início de fevereiro, na Bélgica, França, Alemanha, Holanda, Espanha e Reino Unido. O começo de fevereiro também foi o período de início da disseminação na cidade de Nova York, nos Estados Unidos, de acordo com o estudo.


Arte: Jefferson Mendes


A pesquisa é a primeira a apontar o período de início da transmissão comunitária no Brasil e reforça evidências preliminares de pesquisas conduzidas na Europa a partir de análises genéticas. Corrobora ainda achados de estudos realizados nos Estados Unidos, que indicaram começo da propagação viral na cidade de Nova Iorque entre 29 de janeiro e 26 de fevereiro. 

Assim como no Brasil, na Itália, Holanda e Estados Unidos, a disseminação comunitária já estava ocorrendo havia duas a quatro semanas quando os primeiros casos importados do Sars-CoV-2 foram identificados pela confirmação de testes laboratoriais entre viajantes. Nos demais países, os primeiros registros oficiais da infecção em viajantes ocorreram poucos dias antes ou depois do início da transmissão local estimada na pesquisa.

Os autores destacam que, em todos os países analisados, a circulação da Covid-19 começou antes que fossem implementadas medidas de controle, como restrição de viagens aéreas e distanciamento social. “Esse período bastante longo de transmissão comunitária oculta chama a atenção para o grande desafio de rastrear a disseminação do novo coronavírus e indica que as medidas de controle devem ser adotadas, pelo menos, assim que os primeiros casos importados forem detectados em uma nova região geográfica”, afirma o pesquisador do Laboratório de Aids e Imunologia Molecular do IOC/Fiocruz, Gonzalo Bello, coordenador da pesquisa.

Apesar de vários países terem o início da transmissão comunitária em momentos muito próximos, a expansão da epidemia em cada localidade parece ter seguido uma dinâmica própria. “Muito provavelmente, a dinâmica de expansão da epidemia foi definida por fatores locais, como características ambientais de temperatura, precipitação e poluição do ar, densidade e demografia da população”, acrescenta o pesquisador do Instituto Gonçalo Moniz (Fiocruz-Bahia), Tiago Graf. 

Além de ajudar a esclarecer o início de transmissão local do Sars-CoV-2 nos países estudados, os autores destacam que os resultados obtidos reforçam a importância da implementação de ações permanentes de vigilância molecular, uma vez que o novo coronavírus pode voltar a circular e causar surtos ao longo dos próximos anos. “A intensa vigilância virológica é essencial para detectar precocemente a possível reemergência do vírus, informando os sistemas de rastreamento de contatos e fornecendo evidências para realizar as medidas de controle apropriadas”, completa Gonzalo.

O estudo foi realizado pelo Laboratório de Aids e Imunologia Molecular do IOC/Fiocruz em parceria com Fiocruz-Bahia, Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e Universidade da República (Udelar), no Uruguai. Os resultados foram publicados na seção Fast Track da revista científica Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, que permite a divulgação acelerada de pesquisas relacionadas à pandemia.


Lacuna superada

Gonzalo e toda a equipe envolvida no trabalho têm larga experiência em pesquisas aplicadas ao entendimento do início de surtos e epidemias, tendo realizado estudos com técnicas baseadas em análise genética para HIV, hepatites, dengue, zika e febre amarela, entre outros agravos. “Este tipo de análise é um aporte valioso da Ciência para a Saúde Pública, na medida em que ajuda a elucidar uma lacuna de tempo imediatamente anterior à detecção inicial de casos”, afirma o pesquisador.

Para este tipo de investigação, é fundamental contar com um volume representativo de genomas dos vírus encontrados em amostras de pacientes. “Porém, o curto tempo desde o início da epidemia combinado com a quantidade limitada de genomas de Sars-CoV-2 disponível torna muito difícil a aplicação da genômica molecular para inferir o início da transmissão local na maioria dos países”, comenta o pesquisador da Ufes Edson Delatorre. 

Por isso, para estimar o período de início da transmissão viral comunitária do novo coronavírus, os pesquisadores desenvolveram um novo método. Os cientistas partiram de um dos traços mais trágicos e marcantes da Covid-19: o crescimento exponencial do número de mortes nas primeiras semanas de surto. Uma vez que a carência de testes de diagnóstico e o grande percentual de infecções assintomáticas dificultam a contagem de casos da doença, os registros de óbito são considerados a informação mais confiável sobre o progresso da epidemia, podendo ser utilizados como um rastreador “atrasado”, que permite observar o curso da doença de forma retrospectiva.

Considerando que o tempo médio entre a infecção e o óbito por Covid-19 é de cerca de três semanas e a taxa de mortalidade da doença é de aproximadamente 1%, os cientistas aplicaram um método estatístico para inferir o momento de início da epidemia a partir do número acumulado de mortes nas primeiras semanas de surto em cada país. “Observando os dois países onde já existe grande número de genomas sequenciados – China e Estados Unidos –, constatamos que a estimativa obtida a partir do número de mortes foi semelhante à obtida a partir da análise genética, validando a nova abordagem”, afirma a pesquisadora da Udelar Daiana Mir. 


Cenário no Brasil 

No Brasil, outras evidências, obtidas a partir de metodologias diferentes, apoiam a estimativa de que a transmissão local da Covid-19 começou no início de fevereiro, coincidindo com a expansão da epidemia na América do Norte e Europa. De acordo com o InfoGripe, sistema da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que monitora as hospitalizações de pacientes com sintomas respiratórios agudos graves (SRAG), o número de internações encontra-se acima do observado em 2019 desde meados de fevereiro de 2020. Além disso, análises moleculares retrospectivas de amostras de SRAG detectaram um caso de infecção por Sars-CoV-2 no Brasil na quarta semana epidemiológica, entre 19 e 25 de janeiro. O aumento sustentado no número de infecções foi observado a partir da sexta semana epidemiológica, entre 2 e 8 de fevereiro, conforme apresentado no MonitoraCovid-19, sistema do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz). 

"Esses dados epidemiológicos confirmam a introdução do Sars-CoV-2 no Brasil desde o fim de janeiro e claramente sustentam nossos resultados, que apontam que o vírus estava circulando na população brasileira desde o início de fevereiro", pontua Gonzalo.


Fonte:  Fiocruz
Por Maíra Menezes (IOC/Fiocruz)


segunda-feira, 4 de maio de 2020

Em tempos de pandemia, vírus da dengue pode ser invisibilizado





Professor Expedito Luna (FMUSP) alerta para o fato de que, a despeito do coronavírus, o vírus da dengue continua ativo e fazendo vítimas pelo Brasil

Novas espécies de vírus foram identificadas em pacientes que apresentavam sintomas da dengue. Um dos microrganismos pertence ao gênero Ambidensovirus e foi encontrado em amostra coletada no Amapá. O outro, presente em amostra do Tocantins, pertence ao gênero Chapparvovirus. Antonio Charlys da Costa, pós-doutorando da Faculdade de Medicina da USP e um dos autores do estudo, compartilha que essas espécies nunca foram encontradas antes em humanos e foi possível identificá-las através da técnica de metagenômica viral. 

Embora tenham sido encontrados em pacientes com sintomas de dengue, ainda não é conclusivo que os novos vírus tenham desencadeado esses sintomas ou se oferecem de fato risco para a população, mas a descoberta de novos microrganismos pode ser um alerta para a importância de se estudar e analisar novos vírus que podem, por exemplo, ajudar na identificação de doenças não reconhecíveis, como afirma o pesquisador: “Essa descoberta pode trazer alguma luz para os diagnósticos não resolvidos, ou seja, para aqueles pacientes que tinham alguma suspeita de alguma arbovirose e os testes deram negativos. Você tem mais opção de buscar causadores de doenças, entendeu, isso também daria mais força para pessoas procurarem mais vírus diferentes aqui no nosso país”.

Em um período em que estamos enfrentando a ameaça mundial do coronavírus, o Brasil, país com histórico de epidemias virais, precisa estar sempre atento com os novos e também com os antigos vírus, como, por exemplo, o da dengue, uma das arboviroses que podem ser invisibilizadas pela pandemia, como explica o professor Expedito Luna, do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP e do Instituto de Medicina Tropical: “Ela [a pandemia] veio acompanhada com um quadro de extrema gravidade, com uma letalidade que não é desprezível e é natural que o mundo inteiro desenvolva esforços no sentido de controlar essa doença. Um problema que acontece é que, simultaneamente à ocorrência da covid-19, outras doenças continuam ocorrendo, dentre elas, a dengue”.

Nas primeiras dez semanas deste ano, o Brasil registrou ao menos 332.397 casos de dengue, segundo dados do último boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde até o dia 7 de março. Em 2020, a atenção deve ser redobrada porque o pico da doença coincidirá com o da covid-19 e o da gripe influenza, previstos para maio, como explica o professor: “O pico de ocorrência de dengue no Brasil costuma ser no mês de maio, então, até a semana do dia 12, ou seja, que é mais ou menos o meio do mês de março, o Ministério da Saúde já nos informava 450 mil casos prováveis de dengue no Brasil, ou seja, caminhamos para mais um ano epidêmico”.

Fonte:  Jornal da USP 
Por Gabrielle Abreu

Foto: UNICEF/BRZ/Ueslei Marcelino, site Nações Unidas Brasil



terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Leishmaniose visceral avança para regiões urbanas do Brasil



O flebotomíneo conhecido popularmente como mosquito palha
é o principal vetor de transmissão da leishmaniose
Arte sobre fotos / Wikimedia Commons CC / Fundo: Kateryna Kon/123RF



Migração foi um dos fatores que levaram à nova distribuição geográfica de doença potencialmente fatal no País

Doença grave causada por um parasita transmitido por insetos, a leishmaniose visceral se espalhou no Brasil para regiões onde antes não havia incidência da doença – ela estava concentrada em estados do nordeste e agora tem avançado para o centro-oeste, sul e sudeste do País. Entre as principais hipóteses para explicar a mudança no padrão de transmissão da doença, potencialmente fatal, estão a migração de pessoas do campo para as cidades, o desmatamento e a construção de grandes obras com impacto ambiental. Tudo isso pode ter alterado o meio onde vivem os insetos flebotomíneos vetores da doença, como o mosquito palha, conta o professor José Ângelo Lauletta Lindoso, do Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP).

Dentre as causas dessa reconfiguração geográfica, Lindoso chama a atenção para o fator migratório. Nos deslocamentos de um lugar para o outro, as famílias levam consigo seus animais de estimação. “O cão infectado, mesmo sem a manifestação da doença, é o principal reservatório do parasita no meio urbano”, explica. Há estudos indicando que, onde há cachorros contaminados, existe maior número de humanos que são infectados por leishmania.

Principais hipóteses para a mudança no padrão de transmissão da leishmaniose no Brasil:
  • migração de pessoas do campo para as cidades
  • desmatamento
  • construção de grandes obras com impacto ambiental


José Ângelo Lauletta Lindoso,
médico infectologista do Instituto de Infectologia
Emílio Ribas e pesquisador do Instituto de
Medicina Tropical (IMT) da USP -
Foto: Almir Ferreira

Em artigo publicado na Plos Neglected Tropical Diseases “How visceral leishmaniasis spread through central-suthern Brazil“, Vanete Thomaz Soccol, da Universidade Federal do Paraná, descreve as possíveis rotas de dispersão da epidemia. De 1920 a 1980, a doença estava restrita às áreas rurais, e mais recentemente, passou a ser notificada nas zonas urbanas. Em 2012, por exemplo, o parasita já tinha sido relatado na região oeste do Paraná (Foz do Iguaçu), longe das regiões epidêmicas.

Ainda segundo o artigo, existem cerca de 1,69 bilhão de pessoas vivendo em áreas de risco de transmissão em todo o mundo, sendo que 90% destes casos ocorreram em seis países, incluindo o Brasil. “Compreender a dispersão da leishmaniose é importante para o desenvolvimento de medidas de controle, que incluem políticas conjuntas com países vizinhos do Brasil”, destaca o texto.

A leishimaniose visceral é causada pela Leishmania infantum e, se não tratada a tempo, pode levar à morte em até 90% dos casos. Afeta os órgãos onde há maior concentração de células de defesa como linfócitos e macrófagos: a medula óssea, o fígado, o baço e os linfonodos. As manifestações da doença variam de sintomas como febre, perda de peso e anemia até ocorrências mais graves, como aumento de fígado e baço.

Leishmania infantum -
Imagem: Filipe Dantas-Torres/
Wikimedia Commons CC


Segundo o pesquisador, existem várias espécies de leishmania no mundo. Em seres humanos, por exemplo, a doença é causada por mais de 20 espécies diferentes, sendo que oito delas ocorrem no Brasil. Cada espécie pode exigir diagnóstico e tratamento diferenciados, o que tem sido um dos maiores desafios dos pesquisadores que estudam o protozoário.

No Instituto de Medicina Tropical de São Paulo (IMT) da USP, o médico coordena pesquisas na área de biologia molecular envolvendo doenças infecciosas e parasitárias. Um dos projetos em andamento estuda infecções simultâneas por leishmania e HIV, vírus que enfraquece o sistema imunológico e pode levar à aids. Neste trabalho, se pretende avaliar a ocorrência destas coinfecções em regiões endêmicas e fazer análise do perfil genético da Leishmania infantum.

Segundo o pesquisador, o estudo considera a interseção das áreas de transmissão do parasita e do vírus, uma vez que, ao contrário da leishmaniose, que migrou dos centros rurais para os urbanos, a infecção por HIV teve início nos centros urbanos para depois avançar para as regiões menores e do interior do Brasil. A pesquisa foi feita com pacientes internados no Instituto Emílio Ribas, provenientes de áreas de transmissão e  também com pacientes de outros estados. Nas regiões onde a leishmaniose e a aids se entrecruzam, foram observados aumento progressivo de coinfecções e agravamento do quadro dos pacientes, resultando em mais desfechos com morte ou retorno da doença.

Vacina para leishmaniose canina

Foto: Antônio Silva /
Ag. Pará via Fotos Públicas
Por ser tratar de um problema grave de saúde pública, e o sacrifício de cães soropositivos para leishmaniose ter se mostrado uma estratégia pouco efetiva de combate da à leishmaniose visceral, em 2018 começou a tramitar no Congresso um Projeto de Lei que torna obrigatória a vacina contra a leishmaniose visceral canina. No entanto, Lindoso faz um alerta: ainda não há estudos científicos que mostrem evidências de que a vacinação seja suficientemente protetora. Lindoso, que é consultor do Ministério da Saúde, sugere que, enquanto não se resolve essa questão, é possível usar coleiras impregnadas com inseticidas para minimizar a transmissão da doença.

Se aprovada, a vacina deverá ser gratuita e fará parte de uma política nacional instituída para prevenir e controlar a doença. O projeto tramita em caráter conclusivo, quer dizer, não precisa ser votado pelo Plenário, apenas pelas comissões designadas para analisá-lo: a de Finanças e Tributação; a de Constituição e Justiça; e a de Cidadania.




quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Pesquisadores identificam marcadores genéticos que caracterizam a infecção causada pelo vírus Chikungunya


O estudo foi feito por pesquisadores da USP e abre caminho para a busca de tratamentos para a doença.


Foto:  Marcos Santos
Um estudo recentemente publicado na revista PLOS Pathogens foi capaz de identificar a assinatura gênica da infecção causada pelo vírus Chikungunya, que é transmitida ao homem por picadas do mosquito Aedes aegypti. Isso significa que os cientistas encontraram o conjunto de genes cuja expressão é alterada pela interação com o vírus, ajudando a desvendar o mecanismo da doença. O estudo foi coordenado por Helder Nakaya, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), e teve colaboração do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB-USP), da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) e do Instituto Butantan, entre outros parceiros.

Pesquisadores do ICB-USP, coordenados pelo professor Paolo Zanotto, têm estudado o Chikungunya desde 2014, quando o vírus foi identificado pela primeira vez no Brasil – esse trabalho foi a terceira publicação do grupo sobre o tema. Os cientistas analisaram e compararam amostras de pacientes infectados pelo Chikungunya com amostras de pacientes saudáveis, de pacientes que tiveram dengue e de pacientes com artrite reumatoide.

Segundo o pesquisador Marielton dos Passos Cunha, do ICB-USP, o objetivo do estudo era encontrar um marcador característico da infecção, que a diferenciasse das outras condições semelhantes. “Foram utilizadas ferramentas moleculares e computacionais, como técnicas de análise de redes complexas e aprendizado de máquina”, explica. A comparação com dengue foi necessária porque as duas doenças são muito semelhantes: ambas provocam febre alta, dor no corpo e manchas na pele. No entanto, o sintoma causado pelo vírus Chikungunya que o diferencia de outros arbovírus, é a dor nas articulações (artralgia) – daí a importância de analisar amostras de pacientes com artrite reumatoide.

Com a assinatura gênica da doença, os pesquisadores mapearam o papel que esse conjunto de genes desempenha nas células e a sua importância no combate ao vírus. “O trabalho abre caminho para o desenvolvimento de fármacos para o Chikungunya, pois faz uma descrição da doença a nível molecular – ou seja, identifica o que é único daquela condição. A partir disso, é possível fazer uma busca mais aprofundada por tratamentos”, diz Cunha.

Nos próximos passos da pesquisa, os especialistas buscam entender como o vírus se espalhou e melhorar o seu diagnóstico sorológico, para que não se confunda com outras arboviroses, como os vírus Dengue e Zika. Esses trabalhos serão desenvolvidos no ICB e também na Plataforma Científica Pasteur-USP, inaugurada em julho deste ano. A plataforma é focada no estudo de patógenos para a prevenção de epidemias.

Histórico – A Chikungunya é uma doença que não possui vacina e o tratamento é feito apenas para amenizar os sintomas, que podem persistir por até 15 dias e, em casos raros, provocar a morte. Entre janeiro e agosto de 2019, foram registrados 110.627 casos prováveis da doença no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde. As regiões Norte e Nordeste são as mais afetadas.

Em 2014, o vírus foi identificado em dois locais distintos do país: no município de Oiapoque (Amapá) e em Feira de Santana (Bahia). O pesquisador Marielton dos Passos Cunha esclarece que o vírus é o mesmo, mas com dois genótipos diferentes co-circulando. Um deles veio de Angola, na África, e o outro da América Central. “Ele pode circular facilmente em qualquer cidade do país, porque todas as pessoas são suscetíveis e quase todas as cidades apresentam a circulação do seu principal vetor, o Aedes aegypti”.


terça-feira, 1 de outubro de 2019

Nova doença é descoberta em Sergipe; sintomas são parecidos aos da leishmaniose, mas mais graves

Resistente ao tratamento, já são ao menos 150 casos da doença, com duas mortes. O causador é um parasita ainda sem nome, totalmente diferente da leishmânia


Por Luiza Caires


Microscopia mostra o novo parasita. Ele é semelhante ao gênero Leishmania, mas tem flagelo mais curto,
com estrutura não tão alongada – Foto: Alynne Karen Mendonça de Santana, pesquisadora da FMRP e coautora do artigo


Pesquisadores brasileiros descobriram uma doença cujos sintomas são semelhantes aos da leishmaniose, porém mais graves, e resistentes ao tratamento. Todos os 150 casos são de Aracaju (SE), com duas mortes. Análises genômicas apontam que o responsável é um parasita de uma nova espécie, ainda sem nome, não pertencente ao gênero Leishmania, que é o protozoário causador da leishmaniose e transmitido por mosquitos flebotomíneos (mosquito-palha). Ainda não se sabe nada sobre o ciclo de vida ou vetor do novo parasita, embora haja probabilidade de que também seja transmitido por algum inseto. O que já se sabe é que ele se assemelha – mas não é igual – à Crithidia fasciculata, que infecta apenas insetos. A nova espécie, porém, é capaz de infectar humanos e camundongos, como mostraram testes em laboratório.

A descoberta é parte de uma história que começou há vários anos, em outro trabalho que investigava pacientes diagnosticados com leishmaniose no hospital da Universidade Federal de Sergipe (UFS), para tentar entender a resistência genética à doença. Amostras de pacientes eram enviadas para análise na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP pelo professor João Santana Silva e sua equipe. Algumas delas não puderam ser analisadas com as ferramentas disponíveis para leishmânia, desafiando os pesquisadores a aprofundarem as investigações. “Cheguei a pensar que  pudesse ter sido cometido algum erro aqui no laboratório, alguma mistura, ou que estivéssemos trabalhando com primers [iniciadores de DNA, um dos recursos usados para fazer sua amplificação] de má qualidade, mas conferimos e refizemos tudo, e não era o caso. Mandamos para outro laboratório especializado no Rio de Janeiro, que também não conseguiu fechar o diagnóstico”, contou ao Jornal da USP.


O professor João Santana, coordenador do Laboratório de Imunoparasitologia
da FMRP e pesquisador principal do Cepid CRID. Ele e sua equipe atuavam em
outro estudo sobre resistência à leishmaniose quando alguns dados começaram
 a não bater e gerar questionamentos – Foto: Divulgação FMRP


Ao mesmo tempo, acostumado a lidar com a leishmaniose, com mais de 11 mil pacientes diagnosticados desde 1984, o médico Roque Pacheco de Almeida atendia alguns pacientes que considerava atípicos. Em outubro de 2010, ele recebeu um caso suspeito de leishmaniose visceral, forma mais severa da doença. O homem de 64 anos deu entrada no Hospital Universitário da UFS já em estado grave, o que é incomum. Além disso, os sintomas eram da doença (perda de peso, febre, anemia e aumento do fígado e baço), mas ele não respondeu aos tratamentos convencionais, tendo tido quatro recidivas que resultaram em reinternações. “Na última delas, ele também passou a apresentar lesões cutâneas que são típicas de outra forma da doença, a leishmaniose tegumentar”, lembra Almeida. O paciente acabou morrendo em 2011, em decorrência da doença e de complicações de uma cirurgia para retirada do baço. “Em mais de 30 anos trabalhando com leishmaniose, eu nunca havia visto nenhum caso parecido”, conta o professor da UFS.


Sandra Maruyama, atualmente pesquisadora da UFScar,
foi responsável pelas análises bioinformáticas do trabalho – Foto: Reprodução/Ufscar


Quando finalmente foi feito sequenciamento do genoma do parasita dessa e de outras amostras, além de análises de bioinformática, tudo indicava que os pesquisadores estavam lidando com um novo parasita. De lá para cá foram 150 casos – todos confirmados pelos cientistas – e duas mortes.

As primeiras análises acabam de ser relatadas em artigo na revista científica Emerging Infectious Diseases. Quando o trabalho foi submetido para publicação, há cerca de um ano, ainda não havia certeza se seria uma nova espécie – apenas que não era leishmânia, explica Sandra Maruyama, primeira autora do artigo e atualmente pesquisadora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Com a continuidade da pesquisa, porém, os cientistas têm mais segurança em dizer que se trata de um parasita nunca antes identificado – apesar de ainda restarem muitas perguntas por responder.


O médico e professor da UFS Roque Almeida,
que atendeu os primeiros casos identificados –
Foto: arquivo pessoal


“Os dados que estão no artigo abriram uma série de questões que, concomitantemente à submissão, fomos estudando. Hoje temos resultados, ainda não publicados, que nos fazem acreditar que seja sim um novo parasita, de uma nova espécie, e que seja sim uma nova doença, facilmente confundida com a leishmaniose”, disse Sandra Maruyama ao Jornal da USP.

De acordo com Roque Almeida, da USF, um novo parasita explicaria o porquê do aumento da letalidade de supostos casos de leishmaniose visceral no Brasil. E é preocupante, pois pode significar “que estamos diagnosticando casos de leishmaniose visceral, e cuidando dos pacientes com os tratamentos para leishmaniose visceral, quando, na verdade, se trata de uma nova doença, mais grave, e para a qual ainda não existe tratamento específico.”

Os cientistas esperam descrever a nova espécie e nomear a nova doença nos próximos meses. Mais estudos precisam ser feitos para determinar o ciclo de vida do parasita, seus hospedeiros e formas de transmissão. Tudo isso para investir tanto no controle da infecção quanto em tratamentos efetivos para ela.


Genômica: a ciência por trás da descoberta


Para chegar a esses resultados, os cientistas primeiro sequenciaram e depois compararam o genoma do parasita das amostras dos pacientes de Sergipe com o genoma que se tem de referência para espécies de leishmânia e de tripanossomatídeos. “Quando tentamos identificar o parasita pelos métodos tradicionais, comparando-o às espécies conhecidas, vimos que ele não se parecia com nenhuma delas”, diz João Santana, que também integra a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID), um Cepid-Fapesp.

“Ao sequenciar o genoma do novo parasita, soubemos que, de fato, não era leishmânia. Começamos a desconfiar que se tratava de uma espécie ainda não descrita pela ciência. Ele se revelou semelhante, mas não igual, a um outro parasita chamado Crithidia fasciculata“, explica Sandra Maruyama.


Crithidia – Foto: Guy Brugerolle / CC


Os gêneros Crithidia e Leishmania pertencem à mesma família, da qual também faz parte o Trypanosoma cruzi, causador da doença de Chagas. Até o momento, acredita-se que a Crithidia fasciculata infecte só insetos, não mamíferos. Já a nova espécie investigada por Sandra Maruyama e colegas pode infectar camundongos, além de humanos – como eles comprovaram ao cultivar em laboratório parasitas coletados nos tecidos daquele primeiro paciente. “Expusemos os camundongos aos parasitas isolados do paciente, tanto por via intravenosa quanto cutânea [na pele], e descobrimos que ambos infectavam o fígado dos animais”, conta ela. Os parasitas coletados da pele do paciente também causaram lesões na pele dos camundongos.

Após ter o genoma da nova espécie já sequenciado, foi feita outra análise de bioinformática. Assim foi possível fazer o diagnóstico molecular da infecção dos pacientes por esse parasita. “Isso não seria possível com as ferramentas que existem para diagnóstico molecular de leishmânia. Então tivemos necessidade de desenvolver a metodologia para o novo parasita. Não criamos nenhuma técnica nova, mas elaboramos um procedimento novo”, disse ao Jornal da USP.

“Em posse dos dados genômicos do novo parasita, que são os que estão no artigo publicado, foram feitos mais testes com PCR (Reação em Cadeia da Polimerase, da sigla em inglês)”. A PCR é uma reação enzimática muito aplicada em biologia molecular para amplificar em laboratório fragmentos de DNA. Basicamente, é usada para fazer várias cópias do pedaço de DNA que se está interessado em estudar. Primers, ou iniciadores, são usados dentro da reação enzimática para dar especificidade a uma região genômica. “Realizamos uma análise bioinformática (simulação computacional). 

Elegemos alguns trechos candidatos que pudessem ser específicos deste novo parasita, desenhamos alguns primers – marcadores moleculares – para regiões genômicas que fossem próprias deste parasita, e que não aparecessem no genoma de leishmânias, e testamos por PCR.”

“Também fizemos triagens com a PCR, usando os primers específicos que desenhamos, em uma gama de outras amostras clínicas que o professor Roque compartilhou conosco. Extraímos o DNA dos isolados clínicos e este DNA serviu como um molde para fazer a reação de PCR com essas regiões específicas da nova espécie”, detalhou a pesquisadora. “Daí conseguimos dizer qual parasita estava naquela amostra coletada do paciente. É o que chamamos de tipagem molecular, isto é, identificar uma espécie por métodos moleculares”.

A cientista, que tem apoio da Fapesp para realizar sua pesquisa, planeja em breve realizar a descrição da nova espécie, para poder finalmente nomear a doença.


Próximos passos


A Crithidia, espécie com que o parasita estudado mais se assemelha, infecta insetos, principalmente culicídeos (como o culex, o pernilongo doméstico) e anofelinos (como o anopheles, o mosquito-prego), que se alimentam de sangue. “Mas quando estes insetos picam o homem ou qualquer mamífero, a Crithidia não consegue sobreviver, pelo que até hoje se mostrou. Então a grande dúvida que o trabalho gera é: quem será que é o vetor desse novo parasita?”, diz Sandra Maruyama. Afinal, a leishmânia tem como vetor uma outra família de insetos, que são os flebotomíneos (como o mosquito-palha), muito diferentes dos insetos que a Crithidia parasita. “O primeiro indício que este parasita consegue sobreviver no homem é que conseguimos isolá-lo de pacientes, e o segundo é que ele infecta camundongos, como mostramos experimentalmente, nos órgãos – baço e fígado-, e na pele, como aconteceu com os pacientes – apesar dos sintomas em camundongos não se manifestarem como em humanos.”

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Perguntada se é possível que ele estivesse circulando entre outros animais e aquele tenha sido o primeiro caso detectado de infecção humana, a pesquisadora diz que sim. “Nós temos que investigar isso agora, fazer parcerias com grupos que tenham amostras de reservatórios silvestres, como algumas espécies de cães silvestres e de raposas. Temos esse método de diagnóstico molecular para identificar o novo parasita, diferenciando de leishmânia. O que precisamos agora é coletar amostras, ou trabalhar com grupos que tenham já estas amostras de sangue, como existem vários no Brasil” diz, ressaltando que é necessário fazer um rastreamento e começar a investigar até onde se estende a presença deste parasita. “A princípio detectamos o parasita nestas amostras de Sergipe, mas não sabemos o quanto isso está distribuído. E, ao mesmo tempo, temos que fazer parcerias com grupos que estudem insetos vetores de doenças, principalmente da leishmânia, e estes insetos hematófagos que a Crithidia parasita, já que ele é tão parecido com ela.”

Outra maneira de fazer isso, acrescenta, é experimentalmente, que é um dos planos do seu grupo para o ano que vem: “testar se os insetos de laboratório podem ser infectados por este parasita e têm a capacidade transmiti-lo, ao se alimentar de seu sangue, para um hospedeiro vertebrado, e este mamífero desenvolver a doença”. Trata-se de algo bem complexo, mas para o que existem técnicas experimentais. Além disso, é necessário que o procedimento seja feito em laboratórios com certificações específicas de biossegurança. “Nós não temos, então precisamos de colaboração com centros que já estejam autorizados, como um departamento do NIH [National Institutes of Health, nos EUA] , para onde pretendemos enviar uma pesquisadora no ano que vem”, planeja a cientista.

“Quanto aos pacientes, temos testado estas dezenas de amostras que recebemos em Sergipe, mas o ideal seria analisar muito mais casos que sejam inconclusivos. Precisamos de números para descartar totalmente que se trate de coinfecções (infecções por mais de um parasita ao mesmo tempo), e também receber amostras de várias outras regiões, até para não ter viés nas análises”, explica, deixando claro o rigor científico com que deve ser tratada uma nova descoberta. “Por ora, além de refinar a análise genômica desta espécie, estamos tentando infectar in vitro das células destas amostras positivas, o que será mais uma prova que o parasita realmente tem uma fase de vida no hospedeiro vertebrado e que pode vir a causar uma doença no homem.”

O artigo Non-Leishmania parasite in fatal visceral leishmaniasis–like disease pode ser acessado neste link.


Fonte:  Jornal da USP